Na procura de contribuir para ajudar a "passar o tempo" mantendo uma certa picardia irónica, decidi publicar alguns excertos do meu livro intitulado "PALAVRAS DE UM DEFUNTO, ANTES DE O SER"... começando pelo final do mesmo, capítulo nono.
AUTOBIOCÓMICA
Nascimento e propósito:
O autor, veio ao mundo numa época bastante conturbada, quando quase todos os povos do mundo, andavam em guerra.
Nasceu a 15 de Janeiro de 1945 mas, derivado a que, na aldeia onde nasceu - o Alcaide - o meio de transporte mais usado era “a burra ou o burro” – conforme o autor salienta várias vezes nas páginas deste livro – o registo de nascimento só foi feito dois dias depois – 17-1-1945.
Aconteceu que, conjuntamente com a humidade que existia em Janeiro, a qualidade do papel usado para os registos – de mortos e vivos - era muito relesinho, tipo papel-pardo-mata-borrão, a pontinha no cimo do 1, para a esquerda, e a base tipo-tracinho abaixo do mesmo 1 do número 15 mareou pelo papel afora, transformando-se quase num dois.
Diz-se, quase num 2, mas, na realidade é que assim foi porque, quando mais tarde foi necessário pedir um documento comprovativo do nascimento de tal criatura, aconteceu que, a pessoa a cargo dos arquivos – que até era o professor da aldeia - ou, melhor dizendo, o professor dos alunos lá da aldeia, insistiu que, estivesse ele “c’os copos ou não” - e, como tal, se calhar já via “duplo” 1+1 – insistiu, como se dizia antes que, o 1 era um 2!
Deste modo, não havendo forma de resolver o assunto, o autor ficou oficialmente registado como se tivesse vindo ao mundo a 27 de Janeiro de 1945.
Tanto que assim era, era que até acontecia que, alguns dos mortos registados como tal, continuaram a viver por mais algum tempo – uns mais outros menos, dependendo da circunstâncias – quando foi necessário aos familiares do “já defuntado” solicitar uma certidão de óbitos, o zeloso oficial, guardião dos arquivos – o mesmo professor – insistiu que, o defuntado em questão, que até tinha sido um facto factual de ter morrido num ano a terminar em 1 – como exemplo - um morto, mesmo morto em 1941, o dito oficial insistia que só tinha morrido em 1942 devido a que, o 1 também tinha mareado. Desta forma, mesmo já morto, continuou a estar vivo.
Mas, em referência ao autor, mesmo assim, atrasado por causa “deste pequeno percalço”, ainda veio a tempo para acabar com o flagelo da guerra que “flagelava” quase o mundo inteiro e obviamente, tratando-se de por fim a tão grande conflagração, mais semana menos semana até nem tinha muita importância porque, o importante era acabar mesmo com a mesma.
Este fim foi alcançado após cerca de 4 meses da vinda do autor ao mundo e, devido a que nem gatinhava ainda, teve que pedir boleia a vários burros e burras, para chegar ao local onde os intervenientes do conflito, andavam mais assanhados. Por fim, em Maio de 1945, alcançou o objectivo – missão primária do seu “envio” á Terra, embora trouxesse como missão secundária, o brincar aos meninos, com garotas lá da aldeia do autor.
A infância do autor foi rodeada de fértile abundância de “falta de tudo e mais alguma coisa”, tal como o trinca-trinca do dia-a-dia e, também, do calçado que – para que conste o primeiro par de botas, foi expressamente encomendado á prestigiosa fábrica italiana do “pé descalço”, a qual, por não ter mãos a medir, só pode satisfazer a encomenda feita, quando o autor fez exame da 4ª classe, aos 11 anos! Vejam foto seguinte e... “apreciem bem apreciado” o tipo de “calçado” que o autor usava já aos 10 anos, bem como dois outros dos seus irmãos. Reparem no-pé-descalço, no garoto (autor) logo a seguir ao senhor de chapéu – pai do autor - a segunda garota, da esquerda para a direita – em pé - e o segundo garoto, - irmao do autor - da esquerda para a direita, sentado!
Como podem observar, o autor, ao lado esquerdo do pai, n\ao usava calçado algum...bem como seus 2 irmaos, 2^ garota em pé, logo seguida do rapazote sentado. ********** |
Convém mencionar que, a encomenda constou de um par de botas cujo cabedal foi selecionado com todo o rigor, incluindo a “monitorização” do animal que viria a dar origem ao mesmo, a começar pela qualidade dos pastos onde o mesmo animal pastava, “acompanhado pelo dono do mesmo”, para que, desse modo, fosse impedido qualquer tentativa do mesmo animal se aproximar de alguma erva ou arbusto menos fibroso o que, como é óbvio, causaria que a qualidade do cabedal a ser utilizado na confecção das botas, perdesse a elasticidade e a durabilidade desejada - esperada e necessária - perante tanta fartura de miséria que, saber-se-ia lá, quando é que, um “novo par de botas” seria possível adquirir na dita fabrica.
Ao mesmo tempo, uma exigência feita era que, as solas, deveriam ser protegidas com “protetores” tipo blindagem, bem como a biqueira de cada bota, deveria ser revestida com uma chapa metálica previamente levada á forjem, de modo a que a sua resistência aumentasse substancialmente para enfrentar qualquer eventualidade de sofrer escoriações previamente previstas, devido às antecipadas traquinices próprias de um “teen-ager” e, por cima ainda, um irrequieto-refilão-malcriado, conforme é mencionado nalgum lado nestas linhas, nalguma das páginas interiores deste livro.
Uma outra exigência era que, os atacadores deveriam ser suficientemente longos para que, quando o autor caminhasse pelas “avenidas” lá da aldeia – quase todas térreas, arenosas e de pedregulhos de todo o tipo e tamanhos – pudessem ser atados um ao outro ou seja, o atacador de uma bota devia de ser atado ao atacador da outra, para poderem ser carregadas ao ombro, afim de, se evitar qualquer “esfarrapadela”, quando caminhasse pelas ditas “avenidas” da dita aldeia.
A sola-couro (ou coiro?) a usar, deveria de, em conjunto com todos os outros requisitos já mencionados, ter origem num dos animais considerados “sagrados”, de modo a que, por sim por não, tivesse algum efeito “mágico - uma espécie de influenciar religiosamente o autor - para que só calçasse as botas aos Domingos e em dia de Festa. Isto, até talvez fosse possível de alcançar devido ao facto que, o autor, conforme é referido nalgum lado nestas linhas, até andava bem “embicado” com a religião ao ponto de, conforme é também referido, ter estado quase...mas mesmo quase, a entrar para um seminário.
Entretanto, antes que fosse tarde de mais, apesar da encomenda das botas “demorar tantos anos a ser satisfeita” recebeu uma advertência que ainda hoje está a “zunir” nos ouvidos do autor, referente a que… “AI DELE” - o autor claro(!) - que algum dia tivesse o desplante de ir jogar á bola de botas calçadas. Se, a isso se atrevesse - e dele era de esperar tudo, se não fosse bem admoestado - eram uma vez umas botas “italianas” pagas pela fartura da miséria existente na casa dos pais do autor!
Bem, continuando com a descrição da “adolescência” do autor pois, com botas novas, lá fez o exame da 4ª classe mas, como se recusou a ir para o seminário, toca a alinhar a dar serventia a pedreiros, até lhe aparecer o primeiro “grande emprego”, altamente remunerado, quando, ao fim de seis meses sem ganhar nada, passou a receber 250 centavos (25 tostões) por dia, contribuindo, assim, desta forma, para atenuar o desgaste financeiro que os pais do mesmo faziam diariamente, com 340 centavos de gastos, somente para o bilhete do comboio, de ida e volta, porque sempre era mais barato.
Nota: - O valor do bilhete de volta, só era contabilizado – e dado ao autor – nos dias em que ele fazia falta para regressar o mais rápido possível a casa ou para melhor dizer, para condizer com a realidade ele, o autor, ao apanhar o comboio das 5:15 no Fundão, deveria de chegar ao Alcaide cerca das 5:30 e, claro, principalmente no verão, ao chegar á estação-apeadeiro (?) deveria fazer exercício – que até fazia e faz bem á saúde – correndo estrada acima primeiro e, caminho empedrado serra cima, para se juntar á sua mãe ou a outro seu irmão que já lá andava numa das hortas arrendadas para que, ou incumbir-se de regar os feijões ou lá o que fosse e, também, para que carregasse de regresso um cesto com hortaliça, batatas, maçãs ou lá o que fosse.
Claro que, no Inverno, como os dias anoitecem mais cedo – pelo menos lá na aldeia do autor – e, como o autor já não chegaria a tempo de, ainda com a luz do dia, já não poeria ir serra acima para fazer o que quer que fosse.
Deste noda, o encargo financeiro dos pais do mesmo era tremendamente, com a redução de 120 centavos, uma vez que só abonavam o suficiente para a viajem de ida, pelo que, o autor, se quisesse chegar a tempo de poder ver uma garota que trazia “no goto”, do regresso da horta que a família dela também tinha lá na encosta da serra, só tinha era que descalças as botas italianas e, mesmo todo farrusco na cara e mãos – não se lavava para não perder tempo – e... "oh-pata-do-pé-descalço-para-que-serves-tu”, correndo linha afora, para ver se conseguia ainda chegar a tempo de a poder ver.
Aqui, neste ponto, o autor, que sempre pensou por si mesmo, sem medir as consequências e sem pedir a opinião de ninguém, quando recebia a “diária” de 340 centavos, para o bilhete de ida e volta, ele, querendo tentar ludibriar a sua progenitora - que o mesmo será dizer, a sua própria mãe - que lhe dava o que dava, na antecipação quase garantida de que, se acaso lhe desse mais do que isso, ele – o autor – poderia entusiasmar-se com tanta fartura e gastá-los em rebuçados, daqueles que tinham embrulhados bonecos de jogadores de futebol.
Mas, pior ainda, poderia vir a perdê-los se ele decidisse “trocar as voltas” á mãe e, em vez de apanhar o comboio, decidisse correr pela linha afora, podendo dar origem a que, tal como aconteceu a um dos seus irmãos, referido nalgum lado nestas linhas, as moedas saltassem do bolso para o meio das pedras da linha férrea.
...continua na próxima mensagem.
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