Friday, February 21, 2014

BISSAULONIA, POR QUEM LÁ VIVEU CERCA DE 15 ANOS

INTENÇÃO – OBJECTIVO
A intenção destas linhas, tem como objectivo principal, satisfazer um pedido de vários ex-camaradas de armas, cujos quais, na sua grande maioria, prestaram serviço militar na então chamada Guiné Portuguesa, hoje um novo país, conhecido como Guiné Bissau.
Uma das razões, assenta no facto de…, enquanto muitos destes meus camaradas fizeram uma ou mais, (quem sabe?) comissões de serviço que, normalmente, rondaria os 24 meses, sabe-se lá em que local do teatro de guerra, quantas vezes em risco constante da própria vida, eu, considerando-me um “sortudo”, que nem uma pistola tive distribuída, acabei por ficar na Guiné, após cumprida a minha comissão de 19 meses e 10 dias bem contados, com “risquinhos” mensais e tudo, no cinto – cópia fiel do uso e costumes de outros camaradas de armas – ao serviço da Força Aérea Portuguesa, inicialmente destacado na messe de sargentos e, posteriormente, na messe de oficias, no coração da cidade de Bissau.

Entretanto, á medida que o tempo ia passando, eu fui adquirindo uma certa simpatia pelo carinho que os nativos, demonstravam ter para comigo, tanto na de oficiais, onde me encontrava na ocasião de passar a disponibilidade, como na se sargentos, por onde tinha passado no 1º mês, logo após a minha chegada a Guiné, ao ponto de, já na recta final da minha comissão, insistirem para que eu não regressasse á “Metrópole”, tal como era denominado na ocasião, o nosso querido Portugal. Portanto, perante esta onda de carinho e, com uma boa oportunidade de emprego que, entretanto, tinha surgido num dos locais previstos a abrir nos dias próximos á minha passagem á disponibilidade - a Solmar - aceitei não regressar a Portugal. Pelo menos temporariamente.

Com esta decisão, acabei por ficar por ali, durante cerca de catorze anos e meio e, como tal, proporcionou-me a oportunidade de ser “testemunha” voluntária (1) do desenrolar de vários acontecimentos, nunca ao alcance destes meus camaradas. No entanto, apesar de ter havido “episódios” espalhados por toda a Guiné, obviamente, só me e possível referir, os episódios “centralizados” na área de Bissau e vizinhanças limítrofes, tendo em consideração que era aí que eu me encontrava, “abrangendo” parte do período de guerra, desde a minha chegada a 17 de Maio de 1967, até ao dia da independência da Guiné, oportunidade que só os presentes na ocasião, puderam testemunhar – uns num local e outros noutro. Uns de uma forma e outros doutra. Eu, como já disse, estava em Bissau.

Portanto, no que me diz respeito, além do período pré independência que refiro, tive a oportunidade de assistir – para bem ou para o mal – a toda a mudança da conjuntura social e política que passou a vigorar na Guiné, após a independência e durante cerca de 7 anos depois. De facto, só saí definitivamente da Guiné, em Agosto de 1981. Como tal, desde Setembro de 1974 a Agosto de 1981, são quase 7 anos, como já disse. Seis anos e 11 meses, mais precisamente.

Deste modo, perante esta certeza e estes factos, creio ser mais que lógico a existência de uma certa “curiosidade” por parte destes meus camaradas, em quererem saber como “foi aquilo” depois da partida deles ou, mais englobante, como “foi aquilo”, depois da independência.
É pois, com grande prazer pessoal, que tenho a honra de tentar satisfazer esta curiosidade, relatando o que quer que seja que haja a relatar, o mais realisticamente possível e o melhor que a minha memória me permite, pedindo desculpa a todos, se acaso não consigo satisfazer cabalmente a totalidade das vossas expectativas. Aqui, nestas linhas, só digo o que sei e o que penso estar correcto, mesmo debaixo de alguma imperfeição humana.
Com um fraternal abraço a todos os ex-camaradas viventes e, aos que já partiram para “o jardim dos justos”, que a terra “Lhes seja leve e o sorriso das flores Os embale e ilumine”.

Para a vida e para a morte, sou o sempre Vosso fiel camarada, Mário Serra Oliveira - 1º Cabo amanuense nº 262/66 – ZACVG.
   (Mário Tito - autor)
 


HOMENAGEM - RECONHECIMENTO

Aqui, e por respeito para com o meu semelhante, independentemente de pontos de vista políticos e acções do passado, sinto-me com o dever cívico de prestar uma homenagem de reconhecimento, a alguns elementos do PAIGC que, após a independência da Guiné, fizeram parte do Governo, ou que ocuparam outras posições de liderança naquela ocasião, com os quais tive a oportunidade e o privilégio de conviver – e até servir - atendendo á minha posição de comerciante no ramo da restauração, os quais, na sua maioria, de uma forma ou de outra, foram muito atenciosos para comigo (2). Nem todos, mas uma boa maioria.

Procurarei também, separar o “trigo do joio” entre estes últimos homenageados e outros protagonistas ligados ao PAIGC porque, efectivamente, como já disse, nem todos aqueles com quem convivi – independentemente do cargo que acaso ocupassem na ocasião – usaram a mesma cortesia, o mesmo respeito e a mesma justeza, na suas lides diárias ou ocasionais para com a minha pessoa.

De facto, por parte de alguns destes, aos quais farei referência dos seus actos e atitudes noutra secção destas linhas, se houve algum excesso ou empenho, foi de abuso e prepotência, numa tentativa de “dificultarem o mais possível” a minha vida, bem como a da minha família. O porquê, só eles o saberiam ou, como sempre desconfiei, só eles teriam em mente um determinado objectivo - político ou não - aberrantemente paupérrimo.

Que eu desistisse de “remar contra a maré”, entregando os meus negócios – gratuitamente – ao estado (3). Este era o objectivo.

Só que se esqueceram de ter em conta o “material” de que é feito a minha caixa encefálica, geneticamente herdada da “forma de ser” da minha querida mãe, de uma índole indomável, perante a razão e em face da prepotência, capaz de tirar a camisa do corpo para dar ao meu semelhante, se este necessitar e a merecer. De facto, conversando a bem, até talvez fosse possível os objectivos deles serem realizados mas, a mal, nunca. Só morto! 

Mas, nesta secção, tratando-se de um espaço dedicado a uma homenagem, permitam-me seguir adiante, concentrando-me em alguns dos nomes que considero merecedores de reverência, a quem, com toda a minha sinceridade, presto uma póstuma homenagem aos já falecidos e, aos ainda vivos – se os houver, depois de tantas escaramuças politicas naquela “pobre Guiné Bissau – apresento os meus mais profundos e sinceros agradecimentos.

Deste modo, cada qual pelo seu motivo mas, todos pela sua atenção, boas palavras e cortesia, aqui ficam os nomes e cargos que ocupavam na ocasião, de todos os que a minha memória permite recordar com agrado e profundo reconhecimento, pedindo desculpa por se acaso a minha memória me atraiçoa, esquecendo-me de mencionar algum outro nome.

Temos: - Laurentino Lima Gomes, comissário das obras públicas; Francisco Mendes, também conhecido como “Chico Tê”, 1º ministro, mais tarde assassinado; Armando Ramos, comissário do comércio; José Pereira, comissário da segurança social (se não estou em erro…) Juvêncio Gomes, presidente da camara municipal de Bissau; Victor Saúde Maria, comissário dos negócios estrangeiros; Manuel Saturnino, cuja posição não recordo; Marcelino Lima, director dos armazéns do povo; um tal senhor ou camarada – como lhe queiram chamar - Embaló, cujo nome completo não recordo, director da Dicol (antiga Sacor); José Carlos Schwartz, cuja posição que ocupava desconheço mas que, a título pessoal, era membro do conjunto musical Cobiana Djazz, autor e poeta, falecido num trágico (4) acidente de aviação em Cuba; Carlos Gomes Júnior, (Cadogo) ex-1º ministro da Guiné, e outros que, de um modo geral, foram muito corteses para comigo e minha família.

Aos já falecidos, que a terra lhes seja leve. E, aos ainda viventes, aqui fica mais uma vez, o meu sincero e honesto agradecimento por tudo quanto fizeram e disseram, para aliviar as incertezas que “pairavam” no ar a cada instante.

Os nomes daqueles que foram uma espécie de “carrascos” para comigo, não têm lugar aqui nesta secção, em respeito aos acima homenageados, numa tentativa de não misturar “o bom com o mau”, separando com isso, o “trigo do joio”, conforme prometi anteriormente. No entanto, cada qual a seu tempo, será alvo de referência, quando chegar o momento de relatar os episódios em que tristemente estiveram envolvidos contra mim.

Ao mesmo tempo, antes de dar início aos capítulos que irão fazer parte do “corpo principal” deste livro, não poderia deixar de fazer também, uma singela homenagem, a todos os milhares dos meus camaradas ex-combatentes das Forças Armadas de Portugal, que prestaram serviço no chamado “ultramar português” durante as guerras de libertação das ex-colónias, tendo em especial consideração, os milhares de camaradas que, no conjunto geral, uns numa ocasião e outros noutra, passaram pela então chamada Guiné Portuguesa, numa comissão de serviço que, normalmente, rondaria os 24 meses como já disse, a quem estas linhas são dedicadas.

Até lá, aqui fica esta singela homenagem aos que, por bem serviram e, em 1º lugar mais uma vez, os meus camaradas de armas e, por bem fazerem, aos acima referenciados. TODOS ELES, por direito e consideração, dignos ILUSTRES desta homenagem.

Sinceramente.
Mário Tito - autor


NOTA DO AUTOR

Seguidamente, através do progresso da leitura destas linhas, os leitores irão notar que, certos episódios aqui relatados, são descritos numa linguagem sem rodeios e sem preconceito algum, considerando que, ao pretender “ser eu mesmo”, não hesitarei em chamar aos protagonistas de certos acontecimentos e episódios onde estive envolvido, pelo nome que considero apropriado, reflectivo do meu estado de espírito na ocasião, sem que, com isso, a minha referência pessoal a estes indivíduos, seja considerada extensiva a mais alguém, além dos “atingidos”. De modo algum, é minha intenção ofender alguém, generalizando qualquer “palavra” mais descritiva da minha opinião para com os indivíduos em causa.

Quem mal não me fez, mal não deve esperar de mim.

Aqui, tudo o que eu disser, é o fruto da emoção da ocasião, perante a incerteza reinante, pela raiva contida dentro de mim, devido á autocrática atitude de alguns dos elementos envolvidos, numa demonstração de ingratidão total para com quem “confiou cegamente” que, valeria a pena “arriscar e ficar por ali”,. no meio do povo da Guiné, o qual sempre respeitei e respeito profundamente, na esperança que poderia servir de um exemplo de boa convivência, onde os meus serviços fossem úteis e apreciados, esperando como reconhecimento, o respeito e nada mais.

Infelizmente, a esperança despertada em mim, quando fiz a decisão que fiz, em ficar por ali, foi atraiçoada, deitada por “água-abaixo”, não por “obra e graça” do povo da Guiné, mas sim por “obra, abuso e prepotência total” de meia dúzia de “energúmenos mal paridos”. 
 
Como já disse, não procuro “ofender” ninguém, nem tão-pouco, agradar a ninguém. Não tenho “feitio” para fingir, a não ser em casos de extrema gravidade onde, por exemplo, “ao dizer-se a verdade” se possa causar danos ou emoções pessoais irreparáveis. Aqui, nestas linhas, não será esse o caso e, como tal, limitando-me a ser “eu mesmo”, como já disse, não hesitando um “iota”, em tentar “pegar o touro pelos cornos”.

O touro, aqui, poderá ser considerado a situação de alguns “seres humanos” que, pela sua origem genética, possam ser - ou parecer ser - alvo de possíveis referências menos “elogiosas” da minha parte, devido às circunstâncias da vida, que os colocou na “linha de fogo” dessas possíveis referências, quantas e quantas vezes sem culpa própria de si mesmo. De facto, a existir alguma culpa em relação a alguns “indivíduos”, nada terá a ver com a sua “genética ou sua origem” mas, sim e somente, pela sua atitude através da sua intervenção em episódios vários que, pela sua complexidade, não adianta mencionar aqui, nesta secção.

Por exemplo, enquanto há pessoas que se “encolhem” em fazer referências ao aspecto “racial ou étnico”, de uma determinada forma, para não “levantarem pó”, devido á sensitividade relacionada com este aspecto “sociológico” – normal, diria eu – como, por exemplo, “terem acanhamento em “referir-se directamente” que… “preto é preto”, “branco é branco” e, “mestiço é mestiço”, sendo que, na realidade, não deixam de ser todos seres humanos, em igualdade de circunstâncias.

Quem faz o caracter do ser humano não é, por certo, a “cor da pele do preto, do branco ou do mestiço” mas, sim, a forma de ser de cada quem, bem como o relacionamento de cada um dos “portadores da cor da pele em questão”, em relação aos outros seres humanos, seja nas lides do dia-a-dia, ou seja pelas suas decisões quando em posição de as tomar, em relação aos “portadores” de uma tese de pele diferente da sua.

Por isso, qualquer referência, aparentemente “negativa”, que acaso eu venha a fazer aqui, nalgum lado nestas linhas, nada tem a ver com o facto da “pessoa-alvo” dessa referência, seja “preta, branca ou mestiça”. Se refiro “este aspecto” e somente para ir de encontro “a verdade” sobre, quem como e porquê, fez ou deixou de fazer, fosse o que fosse em relação á minha pessoa. As minhas referências, tipo “queixas ou desabafos”, são dirigidas ao ser humano e não “à pigmentação da pele” de quem quer que seja. Qualquer referência á cor da pele, e só isso mesmo. Referência e não acusação.

Que fique bem claro, na mente de todos os leitores.

Depois, há ainda aquelas circunstâncias que leva determinadas pessoas a pensarem que podem “pensar pelos outros” (5), quando é possível que, as pessoas de quem estas pessoas pensam da forma como pensam, possam vir a pensar totalmente diferente, pensando por si só livremente, sem a interferência de estranhos. 
 
Confuso? Talvez…mas a culpa não é minha. Pensassem todas as pessoas “razoavelmente” e sem preconceitos, talvez eu não tivesse que fazer este esclarecimento tão pormenorizado.

Com isto, a referência feita mais adiante a pessoas “mestiças” originárias de Cabo Verde, não significa qualquer animosidade para com os “cabo-verdianos” em si mesmo mas, sim e somente, serve para ilustrar um problema existente, amplamente do conhecimento publico, no que concerne ao relacionamento entre “guineenses e cabo-verdianos” na ex. Guiné Portuguesa, agora Guiné Bissau. Mais adiante os leitores irão ter a oportunidade de se dar conta do que aqui tento explicar.

Mas, levantando um pouco “o véu” sobre o tema, referir-me-ei aquela espécie de “romanticismo” existente ainda nos dias de hoje - de uma forma exagerada quanto a mim - á volta de toda a figura de Amílcar Cabral, proclamado fundador (6) do PAIGC e, principal dinamizador da luta armada para libertação da Guiné e Cabo Verde. Mas, por certo, não o único!

De facto, todos os romances “são bonitos”, se bem que, na minha opinião, todos pecam pelo exagero na “mistificação” de alguns dos seus personagens principais. Porquê? Pois, em parte porque, nenhum destes personagens foram ou são “perfeitos seres humanos” e, como tal, poderão estar recheados de imperfeições e julgamentos menos afortunados, completamente fora da realidade (7)/
 
Finalmente, nesta nota, permitam-me referir também que, pela minha educação (4ª classe, á idade de 11 anos e, mais tarde, já com cerca de 50 anos, a equivalência ao 12º grau, sem cursos superiores… além do “mestrado” da mundialmente afamada universidade da “pdv” – creio que, se juntarmos a isso, a longa ausência da “Mãe Pátria”, os leitores não deveriam esperar de mim, que vos apresentasse aqui um texto sem erros verbais ou literários.

Mais! Atrevo-me a dizer que, até seria um erro, se erros aqui não houvesse porque, conforme diz um dos meus “slogans”...

a minha imperfeição,
é o que faz de mim, um perfeito cidadão”.

Deste modo, sendo cronologicamente o 5º filho, de um conjunto de sete, de uma das famílias mais pobres da minha aldeia – o Alcaide, situado na encosta Norte da serra da Gardunha, “capital da minha constante saudade e sombra que me acompanha 24 horas por dia” - qualquer expectativa, por parte dos leitores, de virem aqui encontrar uma linguagem “polida”, com frases compostas para “agradar á plateia” e, portanto, uma linguagem “falsa e disfarçada” das mazelas literárias do autor, sem “defeitos linguísticos”, estão redondamente enganados.

Aqui, tal como numa feira de burros… “o animal que vêem, é o animal que compram” porque, para mais não deram, e só a tanto chegaram, os meus parcos conhecimentos. Tudo o que aqui for escrito, será só e somente da minha responsabilidade, sem interferência alguma de outrem, (8) “tanto para o bem como para o mal”.

De um modo geral, o que aqui for escrito, reflecte o que a linha de pensamento do “meu ser” exige que escreva, saindo “directamente” das profundezas das minhas entranhas, sentindo às vezes raiva de mim próprio, perante tanta “falta de saber” mas que, no fundo, me deixa feliz da vida, pela teimosia em insistir e “atrever-me”, a mais uma aventura literária, para a qual sinto que nasci mas que, as “fortunas da vida” não me prepararam convenientemente.

É, como tentar “remar” contra a maré,
sem marinheiro nunca ter sido.

Permitam-me recordar ainda que, o meu 1º livro, solo da minha autoria, já foi publicado pela editora do Chiado, cujo título é…. “Palavras de um defunto, antes de o ser”. É um livro misto, baseado em episódios de ficção e factos factuais, descritos de uma forma humorística. E, á data destas linhas, participei ainda, de uma forma conjunta – como co-autor – em dois outros livros de poesia, publicados pelas editoras “edições e-copy” e, mais uma vez, editora do Chiado.

É tudo, nesta nota.
Mário Tito - autor



INTRODUÇÃO
Conforme o título deste livro indica, a cidade de Bissau é a protagonista-principal, sobre a qual, o titulo deste livro foi inspirado, tendo como referencia os períodos de “antes e depois da independência”, em relação às mudanças “visualizadas” pela minha pessoa, no que concerne á composição da “textura humana” da cidade, desde o ponto da minha chegada a 17 de Maio de 1967, e o período pós independência – 10 de Setembro de 1974, sem que, com isso, me venha a envolver demasiado a descrever todo o passado da mesma, nem tão-pouco descrever a origem dos vários povos que ocuparam a zona da ilha de Bissau, anteriormente á chegada dos portugueses, incluindo episódios de resistência desde o início da ocupação do território, que é hoje conhecido como Guiné Bissau.

Este aspecto, se bem que, aqui e ali, poderá ser alvo de alguma referência, não faz parte da minha intenção inicial. E, se acaso alguma referência vier a fazer, será mais para “realçar” qualquer outro ponto que queira chamar á atenção, tal como o facto que, na verdade, vários foram os povos que “povoaram a Guiné Bissau” e que, periodicamente travaram lutas entre si, incluindo a união de forças contra o último dos ocupantes - os portugueses. De facto, quase que se poderia dizer que, desde a chegada dos portugueses, sempre existiu alguma determinada forma de “resistência”.

O título, é ainda inspirado na “base” das drásticas mudanças feitas pelas autoridades locais pós independência, com decretos e leis desconhecidas de todos - excepto os que as decretaram - até serem implementadas de um modo “punitivo”, sem qualquer condescendência pelo desconhecimento de tais leis, com um impacto tremendo no dia-a-dia da vida quotidiana e financeira, logo após a independência, em detrimento do modo de vida local, bem como nas perspectivas de se poder exercer uma actividade comercial livre e promissora, que incutisse esperança no futuro.

Continuando, a ideia deste livro, tem por base a descrição de Bissau, perante a minha própria percepção ou óptica de modesto observador, adquirida logo aquando da minha chegada á Guiné, em comparação com a radical transformação notada, após a independência. Mas, francamente, reconheço que até poderei cometer algum erro de análise na minha “observância”, quando comparada com o título que escolhi para este livro, pelo que, se assim for, mais uma vez junto a “referência feita antes” na nota de autor, onde tento alertar para qualquer imperfeição literária, considerando a minha pobre preparação nestes “meandros” de escrever para o público.

Entretanto, como irão notar, eu irei recorrer por mais que uma vez, a frases de chamada de atenção para determinadas datas, tal como dizer… “estamos na data tal e tal, do ano tal”, devido a que, o desenrolar da descrição de certos episódios, se entrecruza com outros de mais prioridade ou necessitados de uma explicação mais pormenorizada. E, quando assim acontece, é possível que o episodio deixado para trás, não seja terminado no mesmo capítulo onde teve início.

Faço esta mudança, na intenção de não “enredar o leitor” na leitura de “dois temas” ao mesmo tempo, correndo o risco de ficar perdido no meio da leitura do que quer que seja e, com isso, não se encaixar bem nos episódios em discussão. Sinceramente penso que, com o uso de “chamada de atenção” para determinadas datas, dou oportunidade ao leitor de “refrescar” a memória, transportando-o ao tempo do episódio já começado.

Aqui, eu equiparo este “dilema” com aquela situação do “homem, com um lobo, uma ovelha e uma couve” pertenças do homem que, forçosamente tinha que atravessar o rio de uma margem para a outra, numa canoa onde, á vez, só poderia ir ele e uma das suas pertenças. “Ou homem e lobo; ou homem e couve; ou homem e ovelha”. Não sei se o leitor está a “ver” bem – mesmo que através destas linhas – o dilema do homem! Se atravessasse ele e o lobo, a ovelha poderia comer a couve. Se atravessasse ele e a couve, o lobo poderia comer a ovelha. Mas, se travessasse ele e a ovelha, não se acredita que o lobo viesse a comer a couve.

Assim parece ser, se assim fosse. Mas não é! Ou se é, não acaba ali o dilema do homem. Portanto a solução foi…

…experimente o leitor e, quando atravessar pela primeira vez junto com a ovelha, regresse para levar a couve ou o lobo consigo, regressando novamente para atravessar com o último dos seus haveres.

Se reparar bem, ao regressar a primeira vez, depois de ter levado a ovelha consigo, fica a ovelha sozinha mas, ao regressar a segunda vez, depois de levar a couve ou o lobo, tanto a ovelha pode comer a couve como o lobo pode comer a ovelha, ao regressar a terceira vez! É certo ou não é certo? Portanto, a solução não é assim tão fácil. É possível, mas não é fácil.

Um dilema similar ao do homem, tenho eu em certas passagens do livro quando me encontro numa encruzilhada de temas entrelaçados uns nos outros, obrigando-me a deixar algum a meio, na tentativa de realçar algum ponto que se sobreponha ao tema em discussão. Espero que compreendam o quero dizer e onde quero chegar.

Deste modo, tentando dar uma “luzinha do que acaso fique pendente” quando voltar ao mesmo tema, faco referência á data do episódio, de modo o leitor “apanhar o fio da meada” e ser transportado ao tempo, do tema em questão, como já disse antes.

Por exemplo: É possível que refira por mais que uma vez, “estamos a 10 de Setembro de 1974” - data da independência da Guiné e nascimento da Bissaulónia” ou “estamos a 21 de Março, de 1975 - um dos anos mais difíceis da minha estadia na Guiné e, diria mesmo na minha vida - data em que, tropas do PAIGC prenderam 4 empregados meus, em frente do meu nariz (9), aos quais eu tinha dado trabalho após terem sido desmobilizados, depois de forçados a entregar as armas, quando os mesmos tinham lutado lado-a-lado com as nossas tropas, servindo a nossa bandeira (10).
 
Finalmente, creio que como introdução descritiva de alguns pontos que considerei necessário fazer, já foi dito o suficiente e, como tal, termino, convicto que os leitores irão gostar imenso de ler este livro, fazendo votos sinceros de uma agradável leitura, começando pelo 1º capítulo, intitulado “Primeiros passos de Bissaulonia”. 

Que tenham uma boa leitura, são os meus votos.
Mário Tito - autor


  
CAPITULO I
***
Com um pouco de humor e muito respeito por todos os referenciados – pessoas e povos – na suprema intenção de preservar uma amizade sã e duradoura, entre todos os protagonistas, de alguma forma são aludidos aqui nestas linhas”. Refiro também que, conforme faço constar em vários locais deste livro, durante a narração de alguns episódios, onde expresso a minha honesta e respeitosa opinião – atendendo á minha experiencia pessoal - de modo algum pretendo generalizar qualquer crítica e muito menos associar o PAIGC - como partido - ao comportamento menos próprio de alguns elementos que eu considero uns degenerados, fugidos da linha tradicional, que seria de esperar, de uma organização idónea e madura politicamente, como o PAIGC.

Aqui, tal como em todos os partidos políticos – nuns mais noutros menos – alguns elementos do PAIGC actuaram de um modo fora do normal, em relação não só á minha pessoa, como também em muitos outros aspectos, contra os próprios interesses, tanto da Guiné como de Cabo Verde. Espero sinceramente que os leitores assim interpretem as minhas palavras.

“Os primeiros passos de Bissaulonia”
***
Eu estava lá, e assisti ao parto!
Eu vi-a nascer, e fui o padrinho!
E, como tal, permitam-me gritar bem alto…

“Viva a República Democrática da Bissaulonia”!
Viva! Hurra…hurra!

Sim! Eu estava lá e assisti ao parto! Eu via-a nascer e sou o padrinho de Bissaulonia, com a publicação deste livro, em honra não só de Bissau como, também em honra de todos os cidadãos guineenses e, em particular em honra de todos os “mártires guineenses” que, durante cerca de 5 séculos, deram a suas vidas pela causa mais nobre que um povo pode ter e querer.

Liberdade! Soberania! Dignidade e respeito!

Na ocasião, por lá me encontrar a viver, dei os parabéns a todos os “Bissaulonianos” pela nova Pátria, livre e soberana de qualquer jugo - interno ou externo (11) - respeitando também, honrosamente, todos os “mortos” do outro lado da equação, na maioria portugueses que, através dos primórdios da sua chegada á costa africana da Guiné, numa missão que, a história nos diz ser nobre, mas que, infelizmente, por actos menos “louváveis” praticados através dos tempos por elementos menos escrupulosos, foi distorcida dos princípios basilares do respeito pela dignidade do ser humano, fosse qual fosse ou seja qual seja, a cor da “pigmentação” da sua pele.

Um ser humano, é um ser humano.

Eu, como cidadão do mundo, se há algo que me mova na defesa de todos os seres vivos - incluindo cães e gatos - é uma aferrada convicção de exigência de trato linear - de igual para igual - nas relações entre todos os povos do mundo, independentemente da religião, política ou cor da pele.
 
Sim, é certo que, na ocasião, o mundo era visto através de uma premissa inspirada numa ideologia missionária (12) – e não só – que, como o tempo claramente demonstrou, escondia uma ideologia mercantil, nem sempre a mais apropriada, no respeito e trato para com o seu semelhante mais vulnerável, considerando que, no outro lado, estava um ser humano em igualdade de circunstancias, merecedor do mesmo respeito que, os mesmos missionários se exigiriam a si próprios, se a situação fosse ao contrário.

Quantos não foram os filhos da Guiné - por mim renomeada como Republica Democrática da Bissaulonia, a partir de 10 de Setembro de 1974 - que, através dos tempos, não deram o seu melhor, incluindo a própria vida, numa tentativa de se livrarem dos ocupantes e, com isso, reganharem o controlo sobre os destinos do seu povo, com direito a “ser eles mesmo ao lemo” nos destinos de todo o povo “Bissauloniano”, independentemente de qualquer “mazela governativa” que, como seres humanos, logicamente poderiam vir a ter? Sim, quantos foram? Por isso, que a suas almas restem em paz e honra seja feita a ambos os povos, entre os quais eu me incluo.

É, pois, com muito carinho e dobro de respeito, para com todos os guineenses – mortos e vivos – que aqui tento “salpicar” com um pouco de humor estas linhas, de modo a tornar as mesmas “menos dolorosas”, sem que, com isso, deixem de ser realísticas, quanto ao objectivo pretendido, sobre o teor das linhas deste livro, intitulado Bissaulonia, tendo por protagonista, a cidade de Bissau, terra natal da minha única filha, significando que, efectivamente, eu poderia dizer que ela também é uma guineense. E porque não?

No texto seguinte, os leitores poderão “decifrar claramente” que se trata de uma “narração” humorística, sarcástica talvez, aos olhos ou á interpretação de alguns leitores, mas que, no meu ponto de vista, traduz fielmente o panorama político que se viveu na Guiné, antes e após a independência, de acordo a minha observância.

  Aqui vai.

“Bissaulonia”! Recordo o dia do teu nascimento, cujo acontecimento foi celebrado por ricos, pobres e remediados em todo o país, embora, por notícias escapadas de fontes bem informadas, tudo indicasse que “o parto” tinha sido muito doloroso, de “barriga aberta sem anestesia”, trazendo á luz do dia, uma “criatura” frágil, de aspecto doentio, embora demonstrado um “génio” lutador, característica de cada guineense.

Coitadinha! Notava-se bem ser uma “criatura” pouco saudável. Frágil, amarelinha mas, como uma guineense, muito estóica e persistente. E, embora o aspecto dela não augurasse muita saúde, o certo é e foi que, pouco a pouco começou a gatinhar e a querer dar os seus 1ºs passos, sozinha! Levanta aqui, cambalhota ali. Tropeça além, cabeçada acolá. Assim, não admira que, periodicamente, aparecesse com “galos” na testa, ao mesmo tempo que, como traquina que era, sempre com um sorriso nos lábios, de onde sobressaiam duas fileiras de dentes, mais brancos que o marfim. Era terrivelmente “traquina”, esta criatura.

Passava o dia a tentar levantar-se e a cair, numa tentativa de querer seguir pelo seu próprio pé, sem a interferência de estranhos. De facto assim era porque, posteriormente se vem a saber que “os pais, de origens étnicas” diferentes, nunca se deram bem, mesmo durante o namoro, embora tentassem disfarçar, muito maligamente por obras e actos, há que o dizer, por parte do pai mais “arrogante” ou mais pretensioso.

O outro, de uma tendência natural de humildade, mais que demonstrada durante seculos, continuava a ser o mesmo. Dócil, cooperativo, paciente, na esperança que o outro parceiro “descesse á terra” deixando-se da “utopia” em que se encontrava embebido e, quiçá, mostrasse algum empenho de respeito, por ambos fazerem parte daquele “enlace único e histórico”, ainda que pouco promissor.

Não! O abuso continuava abertamente e ao ar livre. Era notório! E, só quem fosse muito teimoso ou muito arrogante e “falho de tacto” político-social, não se daria conta que, aqueles abusos não poderiam continuar por muito mais tempo. No ar, respirava-se “abuso matrimonial”. Cheirava-se a “queixumes” de um dos conjugues e a “gargalhadas de despeito” por parte do outro. No ar, pressentia-se que o fim daquele enlace forçado, estava preso por um fio. 

E estava!

Sabendo isso de antemão, e sem necessidade alguma da minha parte, na consulta de entendidos neste meandros socio pedagógicos, nem sentir necessidade de frequentar universidades na procura de “mestrados” sobre política entre povos, sempre predisse que o fim deste “matrimónio” - que, aqui nestas linhas, com o devido respeito para com os dois povos envolvidos, é descrito humoristicamente como sendo um matrimónio entre dois seres do mesmo sexo - não iria longe. E não foi porque, finalmente, a 14 de Novembro de 1980 (13), o que era mais que previsível acontecer, aconteceu. 

O divórcio previsto, fatal e mais que esperado. E eu, que já tinha assistido ao nascimento “Bissaulonia”, mais uma vez, lá estava presente, para assistir!

Na realidade, eu sempre relacionei a aparente doença da “criatura”, com a amargura “interior” que a mesma sentia, por saber que, mais tarde ou mais cedo, o divórcio iria ser a solução. Infelizmente, por tanto tempo durar a que tal sucedera, muitas cicatrizes se foram infligidas mutuamente entre “os conjugues”, algumas delas de caracter grave que, por muito boa vontade que houvesse em as curar, na intenção que os dois ex. parceiros se “falassem” respeitosamente, dificilmente puderam ultrapassar todas as mazelas deixadas por aquela relação falhada.

Infelizmente, acontece a muito boa gentinha, por muito boa que seja. Mas, mais acontece a quem não usa o “senso comum”, na sua aproximação a qualquer “utopia” que acaso possa criar na sua mente.

Resta, talvez, para conforto dos “utopistas”, saber que o mundo está cheio de exemplos similares, sobre planos políticos “utópicos”, se bem que, mais uma vez, o dito conforto acaba por ser agravo exactamente porque, a existência de exemplos passados deveriam de servir de guia de referência aos “utopistas” tendo em conta que…“algo já falhado, não deve ser experimentado” e, muito menos, á custa de vidas humanas, e do bem estar de todo um Povo. “Utopia”, sem senso comum, é só isso mesmo.
U t o p i a!
Mário Tito - autor   

CAPITULO II

“O começo do fim”

“Bissaulonia”, é o título escolhido para este livro, influenciado na cidade de Bissau, como já referi anteriormente, cujo nome sugere ter uma “conotação” com a bíblica cidade da Babilonia, onde os habitantes se misturavam numa amálgama de idiomas que, segundo relatos “bíblicos”, foi uma forma de “Deus” castigar os homens por ousarem desafiarem a sua “grandeza” (14).
  
Em “Bissaulonia”, procuro descrever, não só as mudanças por mim visualizadas na cidade de Bissau, no contexto da composição da “textura humana” desde a data da minha chegada á Guiné, e o período pós independência, como também procuro relatar as mudanças feitas na política local, com todas as suas consequências sociais e económicas que, lamentavelmente para mim e minha família, se reflectem ainda hoje num determinado sentimento de “raiva interior” por impotente, em face da “ingratidão” demonstrada para com a minha pessoa, por parte de alguns indivíduos pouco escrupulosos, que estavam em cargos de poder local – embora não sendo os chefes máximos.

Ingratidão, não por parte do povo da Guiné nem por parte da maioria dos membros da “cúpula” do Governo da Guiné, mas sim por parte de meias dúzia de “mal paridos”, aos quais eu chamei no meu 1º livro intitulado, “palavras de um defunto, antes de o ser” e chamo aqui novamente – sem hesitação alguma – “batatas podres com pernas”.

Ingratidão e prepotência abusiva, para com quem demonstrou uma confiança “cega” na capacidade de “quem”, na ocasião, estivesse ao lemo dos destinos da Guiné Bissau, pensando que, quem quer que fosse, saberia diferenciar entre aqueles que acaso tivessem tido um comportamento menos apropriado no passado, para com os nativos da Guiné, e a pessoa que tinha arriscado tudo o que tinha ganho até ali, incluindo ficar empenhado com letras bancárias, aquando da aquisição de outros locais de actividade, onde, por certo, daria trabalho a alguns guineenses, bem necessitados do mesmo, incluindo alguns dos militares africanos que tinham servido a nossa bandeira, desmobilizados e forçados a entregar as armas, ficando ali á “mercê dos lobos” (15).
 
Como disse, não foi o “povo da Guiné em geral” que foi ingrato, nem tão-pouco muitos dos membros “da cúpula” directiva do governo, mas sim, uns quantos elementos que se apoiavam na prepotência e no abuso de poder, por terem “compadres empoleirados” pertencentes á ala política que mais reinava na ocasião.

Aqui, refiro-me á famigerada “ala política” cabo-verdiana que, como autênticos “judas”, foram muito ingratos para comigo, dando razão a algumas menos elogiosas referências que aqui faço, nalgum lado destas linhas. 

Nunca esqueci nem esqueço, o que me fizeram e tentaram fazer.

Aqui, neste ponto, convém referir que, Bissau, foi durante séculos e até á independência da Guiné Bissau, uma cidade bem identificada, de aspecto pacato e sereno, em nada que se parecesse com uma cidade multilinguística, salvo aqui e ali, um ou outro idioma de um impacto considerável a nível mundial mas que, ali, era reduzido a um limitado número de utentes, nas suas lides comerciais com os países ou territórios limítrofes.

Refiro-me, principalmente ao idioma francês, pela proximidade dos territórios-países fronteiriços, como a Guiné (Conacri) ex. Guiné Francesa e o Senegal, países onde o idioma francês é “rei”. De lembrar que, Casamansa, “província-celeiro” do Senegal, pertenceu em tempos á própria Guiné Bissau, ao mesmo tempo que, a região de Cacine, no Sul da Guiné Bissau, pertenceu á Guiné (Conacri).
    
Curiosamente, poucas horas após ter chegado ao aeroporto da BA-12 (Bissalanca), a escassos 11-12 km de Bissau, desloquei-me – a pé - a esta cidade, para entregar uma mensagem de recomendação da minha pessoa, feita pelo até então meu chefe de secretaria, na secção de justiça da FAP, na BA-3 em Tancos. O conteúdo da mensagem, nunca soube qual era mas, pelo resultado (positivo) creio que se tratava de boas “referências” a meu respeito já que, tendo ali chegado às 11:20 do dia 17 de Maio de 1967, somente pernoitei uma noite na camarata comum, partindo no dia seguinte rumo á messe de sargentos da FAP, localizada na cidade de Bissau, quase no centro da cidade.

Mais precisamente, no chamado “Chão Papel”, perto do campo de futebol, exactamente na rua onde, a cerca de 1-2 quarteirões, funcionava uma espécie de “bôite” muito frequentada, conhecida como “Chez Toi” - onde fiz alguns “biscates” remunerados como empregado de mesa, tendo mais tarde, mudado de dono e de nome, passando a ser conhecido como “Gato Negro”. Ambos nomes, sinónimo da presença de “gado rachado”, com um “gato negro” ao fundo da barriga. 

Inicialmente, não me apercebi de imediato, o que a “senhoria” da minha nova morada, poderia esconder no seu “regaço ou nas suas faldas” porque, a minha posição de 1º cabo a nas messes que já referi, “consumia” a maioria do meu tempo – principalmente nos primeiros dias - considerados de adaptação e aprendizagem. 

Porém, pouco a pouco, livre por algumas horas nocturnas ou aos fins-de-semana, fui-me dando conta do aspecto “pouco cosmopolita” que a cidade de Bissau aparentava ser, na ocasião.

Os idiomas, além de vários dialectos locais, que mais sobressaiam das conversações do dia-a-dia, nos passeios e nos lugares de convívio, eram o português e o “crioulo”, este último originado numa mistura de português e o dialecto das tribos que viviam na região onde os navegadores portugueses tivessem “arribado e assentado pé” noutros tempos. Tanto assim que, além do “crioulo de Cabo Verde”, também conhecido como “crioulo da Alta Guiné”, existem 3 outras versões de “crioulo”. 

O crioulo de Bafatá; o crioulo do Cacheu e o crioulo de Zinginchor, cada qual assente no português e, subsequentes-excertos, nos dialectos dos povos que se encontravam a viver naquelas regiões.

Nas ruas, uma azáfama constante de veículos motorizados, na maioria militares e seus ocupantes, demonstrando claramente que, por ali perto ou lá mais ao longe, “cheirava” a um conflito armado, iminente ou constante. De facto, nem era preciso isso para se “pressentir ou adivinhar” que assim era porque, periodicamente, ao cair da noite, faziam-se presentes o “troar estrondoso” dos disparos de canhão ou de morteiro, cujo som dos estrondos penetrava através das trevas da noite escura ou, como que necessitasse de um guia, através da claridade da lua cheia, vindos do outro lado do rio “Geba”.

Aqui, confesso que, no início levei aquilo com certa apreensão mas, com o tempo, fui-me acostumando, tal como todos os outros. Quando se ouviam os estrondos, perguntávamos uns aos outros… “Onde será”? – “Deve ser na região de Tite” – respondia alguém mais conhecedor. 

Nos passeios de Bissau, principalmente na chamada “Bissau velho”, localizada na parte baixa da cidade, com destaque para a chamada “rua das montras”, o comércio vibrava na procura de artigos vindos de toda a parte do mundo, com realce para electrónicos e roupas “leves” de origem chinesa (Macau), incluindo serviços de louças chinesas, que atraíam a atenção dos transeuntes, num “reboliço” constante, entre militares e civis. Na ocasião, arriscava eu a predizer que, entre a população civil, deveria de existir uma mista de residentes locais de origem portuguesa, bem como “transitários” devido á sua ligação a militares.

A cobiça, sobre os produtos em exposição nas montras, era de todos mas, o “alcance” aos mesmos produtos, era limitado somente a alguns, já que, o regular “Zé-magala”, teria que se limitar a olhar, cobiçar e lamentar-se da sua fraqueza económica, salvo um ou outro mais afortunado. Eu estava em entre os 1ºs.

Cobiçava e lamentava-me.

Obviamente, não me era difícil concluir que, alguns dos mais afortunados, seriam familiares de alguns militares que o “acaso ou a sorte”, os retivesse por ali perto, nalguma guarnição militar ou, como era o caso da maioria dos oficiais da FAP, residissem eles próprios, em residências espalhadas pela cidade de Bissau.

Recordo aqui que, mais tarde, eu próprio tive oportunidade de constatar isso mesmo, devido a que, uma das minhas missões era ter a responsabilidade de “controlar” bens e haveres pertença da FAP. Nisto, incluía fazer inventários a “recheios caseiros”, principalmente quando o ocupante na ocasião, dava lugar a outro. Quando assim sucedia, tinha que se “passar a responsabilidade do que quer que fosse” para o novo ocupante. Esta era uma das minhas missões, entre outras.
    
Existia também uma pequena percentagem de pessoas consideradas estrangeiras, tais como alguns Libaneses, Sírios, Mauritanos e outros que, por dispersos, pouca visibilidade ou impacto faziam na “textura” humana da cidade de Bissau.

Esta foi a impressão recolhida, numa modesta observação inicial, logo á minha chegada á Guiné, quando Bissau era isso mesmo. Bissau, uma cidade aparentemente “pacífica e acolhedora” mas que, conforme ficou demonstrado mais que uma vez, escondia em si um não sei quê de “mítico” que desafiava o visitante a ser perspicaz e, se não quisesse sofrer algum dissabor inesperado, comportar-se respeitosamente para com a população local.
Foi isso que sempre tentei fazer.

Recordo aqui que, a maioria da população “indígena” - muita da qual oriunda do interior do país, na maioria forçada a abandonar as suas casas e haveres, perante o perigo iminente nas zonas de combate - vivia dispersa pelos vários bairros, nos subúrbios da cidade, numa situação “quase degradante”, palco de “quezílias” de todo o teor e, pior ainda, “falto” de saneamento básico, de pavimentação mínima ou ausente por completo.

Os indígenas ou nativos locais, viviam “numa aparente situação” de terem sido empurrados (16) para “as margens da estrada da vida”, ficando por ali perto ao “deus dará” numa “moribunda existência” mas que…i r o n i c a m e n t e, era-lhes permitido viverem, porque…“a sua mão de obra” – ou os seus serviços – com lhe queiram chamar – fazia falta como força motriz, ao funcionamento do comércio geral, bem como aos  habitantes mais afortunados, residentes nos chalés e moradias mais cómodas, fossem elas ocupadas por militares – na ocasião - ou em tempo de paz, ocupadas pelas famílias europeias da classe dominante e – há que o dizer - aqui e ali, algum dos “filhos da terra”, financeiramente mais bem na vida. Poucos, mas existentes.
 
É certo que, alguns dos nativos mais afortunados, viviam “par-a-par” com os europeus na cidade, em residências similares ou melhores ainda mas, 95% da população, ali estava ao “abandono” e á mercê do trato quotidiano de elementos menos escrupulosos o que, como tal, exacerbava periodicamente os ânimos, originando escaramuças entre nativos e europeus, em bairros tais como o “Pilão”, Bancolé, Belém, Bandim, Achada da Burra, e outros. Entretanto, vem o 25 de Abril e, como da noite para o dia, buuuuuum, nasce “Bissaulonia”!
E porquê Bissaulónia?

Pois, compreensivelmente e como já referi antes, tudo tem a ver com a “textura humana” que passou a ocupar a cidade de Bissau, após a Independência da Guiné Bissau onde, gentes de nacionalidades dos quatro quadrantes do mundo, substituiu a maioria da população portuguesa e europeia até então.

Aqui, numa pequena nota, refiro que, o facto do “25 de Abril” me apanhou de surpresa (17) e, também, quando digo, “quase da noite para o dia” é mais um modo de dizer do que a realidade. De facto, após o 25 de Abril, houve ali como que um compasso de espera até ao nascimento de “Bissaulónia”. Foi neste período de tempo, onde decisões que tinham que ser feitas, foram feitas, para bem ou para mal, desse o resultado que desse. E deu! Não tão bom como desejável, mas deu. 

O termo “buuuuuum, nasce ‘Bissaulónia”, é também mais uma expressão de referência ao tempo de então, onde a aparente lentidão vivida no dia-a-dia em Bissau, deu lugar á “alta velocidade” de acontecimentos – considerando os mais de 500 anos de marasmo - numa mudança rápida e vertiginosa na vida quotidiana, incluindo o “nascimento de Bissaulónia”, num “abrir e fechar de olhos” como um sonho prolongado mas real, culminando na manhã de um novo dia, já após a independência da Guiné Bissau. Foi tudo muito rápido e, por isso, a razão da expressão usada, para descrever a “perspectiva da minha observação”.

Continuando, gostaria muito de não usar o “pessimismo” como norma, em relação a futuras referências sobre a sorte do Povo guineense pós independência, quando a esperança de um futuro possivelmente risonho, ficou “eclipsado” por nuvens negras e permanentes no horizonte, pairando no ar ainda hoje, com efeitos devastadores no bem-estar daquele pobre povo. Infelizmente, para seu infortúnio.

Não posso, por isso - e por ser honesto - deixar de querer “pegar o touro pelos cornos” indo directamente ao “grão da questão”, porque, efectiva e lamentavelmente, a esperança inicial de dias melhores pós independência, foi “Sol de pouca dura”, tudo por uma política aberrada sem pés nem cabeça, onde tudo faltava ao Povo, mas não aos cabecilhas.

Por isso, vai ser muito difícil para mim, tomar uma posição que agrade á minha pessoa e aos habitantes do novo país porque, se aparentemente, para a maioria do povo da Guiné Bissau, o dia da independência deveria representar um novo horizonte de esperança no dia de amanhã – para bem de todos - infelizmente, os factos posteriores, mostraram e mostram completamente o contrário. Por culpa de quem, agora nem sequer interessa aqui procurar saber. 

O importante aqui é salientar que, o “pobre Povo da Guiné Bissau, merece mais e melhor”. É isso que aqui procuro salientar, com muita mágoa e apreensão para com todo o Povo da Guiné, do qual a minha única filha faz parte, por lá ter nascido.

Na ocasião da independência, sem grandes efusividades, concentrei-me na minha vida, não prestando muita atenção “ao que pressentia que lá vinha”. E veio… e de que maneira, mais cedo do que imaginei, e de uma forma pouco agradável para mim e minha família. Mais adiante farei referência.

Por agora, recordo que, a um certo ponto da minha estadia em Bissau, tive a oportunidade de trabalhar e conviver socialmente com uma emblemática figura no seio do PAIGC que, após ter sido preso pela “pide” e enviado para a prisão no Tarrafal (Cabo Verde) foi posteriormente libertado, acabando por vir a ser meu colega de trabalho, primeiro no Grande Hotel e, mais tarde, no Café Restaurante “o Pelicano”, do qual eu era encarregado e ele meu braço direito, especialmente nas lides com os trabalhadores locais.

Refiro-me a Mamadou Turé, mais conhecido como “Momo Turé”, uma excelente pessoa e um excelente profissional – pelo menos enquanto trabalhamos juntos - figura incriminada no “complot” (18), levado a cabo além fronteira, de onde resultou a morte de “Amílcar Cabral” e de muitos outros, em Janeiro de 1973. Convivi também, embora esporadicamente, com um dos fundadores do PAIGC, se não mesmo um dos “pais do mesmo” (19), com a diferença que, segundo testemunhos de então, não se chamava ainda PAIGC e sim PAIG, sigla que só referenciava a Guiné. Refiro-me a Rafael Barbosa, amigo pessoal de Momo e, pela sua proximidade nos encontros periódicos, diria eu que “seu próprio mentor”.
       
Continuando, descrevendo a razão para o título deste capítulo, “o começo do fim”, gostaria de referir que, o mesmo, é baseado na minha perspectiva de “discordar” em catalogar o “começo do fim” num determinado episódio de rebeldia do povo guineense, questionando a presença portuguesa no mando dos destinos do território da Guiné Bissau, durante tantos séculos. Portanto, para dar início á descrição do que acabo de dizer, tenho que regressar atrás no tempo e declarar que…

…estamos a 25 de Abril de 1974, data em que, aparentemente, foi desferido o golpe de misericórdia fatal, nas pretensões de continuidade no exercício do domínio de Portugal sobre o território da Guiné Bissau, cujas tropas ocupantes tiveram uns “parcos 6 meses” para abandonarem definitivamente a ex-colónia que, por negligência ou destino, foi, durante cerca de 500 anos, tratada como uma “filha pródiga”, abandonada ao seu destino, como uma rejeitada.

Recordar aqui que, embora os 1ºs contactos feitos portugueses com a costa da Guiné, indiquem o ano de 1446, o facto é que, ironicamente ou não, somente nos anos 1600, já na dinastia Filipina (!!!), é que o território “mereceu” uma atenção mais profunda por parte de Portugal – ele próprio ocupado - quando a 1ª vila foi fundada, conhecida como Cacheu. Isto, cerca de 200 anos depois. Se este facto, não é uma demonstração de “desinteresse” ou de incompetência total, mesmo considerando os tempos de então, então não sei o que será.

Com isto, o 25 de Abril, poderia muito bem ser considerado como o início do fim, ou o “começo do fim”, para condizer com o título deste capitulo mas, na verdade, se nos debruçarmos bem sobre os vários episódios e tentativas de rebeldia, por parte de “ora de um, ora de outro” líder de uma das várias “tribos” da Guiné, o 25 de Abril não foi mais que a “estocada final” no touro já moribundo. Curiosamente, estocada essa “desferida” por iniciativa de alguém, outros que não os próprios guineenses. 

E esta anh?!

Aqui, conjuntamente com todos os milhares de militares portugueses que lá se encontravam na ocasião, de uma forma ou de outra, expectadores ou intervenientes no próprio 25 de Abril – e havia por certo uns quantos, frequentadores do meu restaurante - eu, acompanhado pela minha mulher e a minha única filha, também lá estava presente, já na vida civil, 6 e meses após ter cumprido a minha comissão de serviço militar.

De facto, a Guiné, sendo a primeira parcela de território africano habitado, a ficar “sob domínio de Portugal” – já que, as ilhas de Cabo Verde, eram território inabitado - o certo foi e é que, durante muitos e longos anos, a sua proximidade não foi mais do que servir de porto de abrigo de muitos dos nossos navegantes ou, como “trampolim temporário”, para dar continuidade a outras aventuras marítimas, cujo destino, por incerto que fosse, demandava continuidade na viajem, já que os objectivos principais, não era ficar por ali, mesmo “deitando a mão” ao que pudessem.

Todos sabemos - e, se não sabemos deveríamos saber - que, as circunstâncias dos contactos dos nossos navegantes pela costa africana abaixo, tinha como principal objectivo, a descoberta do caminho marítimo para a India, origem das famosas e cobiçadas especiarias, até então somente acessíveis aos europeus, por rotas marítimas ou terrestres, através do médio oriente. Obviamente, com o seu elevado custo mercantil.

Portanto, o “começo do fim”, na realidade - e na minha humilde opinião - não foi o 25 de Abril. O “começo do fim” nem sequer pode ser atribuído á data do início da luta armada, prestes a terminar com o evento do 25 de Abril. Tão-pouco concordo em aceitar dizer que, “o começo do fim” foi qualquer dos episódios associados com a “greve dos estivadores” do Pidjiguiti (1959) ou, até, as acções e atitudes dos responsáveis pela casa Gouveia (grupo CUF) de onde originou a mobilização á greve, culminada em massacre, de muitos dos estivadores. 

Na minha humilde e modesta opinião, considero que, todos estes episódios não foram mais do que “achas de lenha” na fogueira de outros ressentimentos acumulados, por parte dos nativos guineenses.

O “começo do fim” quanto a mim, teve início logo nos primórdios da ocupação, não pelo facto da ocupação em si mesmo mas, sim, pelas subsequentes acções e atitudes praticadas no “dia-a-dia” nas trocas comerciais e acordos aparentemente amigáveis com alguns dos “reis” africanos, a cargo das zonas contactadas e, subsequentemente, ocupadas.

Relembro aqui que, a um certo ponto, os nossos navegantes e “aventureiros de toda a espécie”, enveredaram pela prática de “raptos” de nativos africanos nos locais de contacto da costa africana, na intenção da prática de venda de seres humanos ou, como é mais conhecida, venda de escravos. Obviamente, esta “selvática pratica”, mesmo que os nossos navegantes pudessem argumentar que contavam com a colaboração dos “régulos africanos” a cargo da costa africana, não deixa de ser considerado um acto abominável, condenável, ao mais alto grau e, como tal, juntamente com outras “práticas” pouco abonativas a seu favor, no decorrer dos anos, avolumaram-se negativamente, na mente dos verdadeiros donos do território.

Portanto, só quem fosse muito casmurro ou muito ingénuo, é que não predizia que, “o fim” chegaria mais cedo ou mais tarde, já que,
o começo”, tinha começado muito antes.

Por isso, e baseado nisso, atrevo-me a afirmar que, em casos de ocupação injusta e abusiva, “o começo do fim” tem lugar no exacto momento em que uma injustiça é praticada para com “o povo soberano” até então. De facto, salvo raras excepções, nenhum povo aceita ser “dominado” por outro, assim sem mais menos, principalmente, quando as forças do povo ocupante, se comportam de uma forma “intolerável” para com o povo ocupado.

Recordando aqui um pouco de história em relação aos romanos, creio que até seria possível que, no decorrer da história das “conquistas e migrações”, existirem casos de convivência pacífica entre “povos ocupados e povos ocupantes” mas, por raros terem sido, teremos que concluir que “o começo do fim”, queiramos ou não, começa com as primeiras injustiças, após o 1º dia da ocupação. 
          
E mais não digo porque, não sendo eu um “antropólogo” nem tão-pouco proclamar ser entendido em “psicologia” sobre povos, o certo é que, não me é difícil diferenciar entre “viver-se” oprimido debaixo do domínio de outrem, e o “viver-se livre” e independente, dono do seu destino e senhor das suas decisões, por muito questionáveis que essas decisões ou modos de vida possam vir a parecer aos “olhos” dos outros.

Os velhos ditados de… “vale mais morrer com dignidade, do que viver sem liberdade” ou “vale mais morrer lutando, do que viver chorando” ou ainda “vale mais chorar por perder uma batalha, do que sentir vergonha, por não ter lutado” são, quanto a mim, suficientemente ilustrativos para me darem razão de suporte ao dizer que, a ocupação do território da Guiné, bem como outros territórios em Africa ou noutras partes do mundo – fosse por Portugal ou fosse por outra nação qualquer – poderia ser considerado um acto “legitimo” (20) para o povo ocupante mas, nunca, para o povo ocupado.

Quando os interesses mercantis dos povos se entrecruzam, até poderá ser motivo de regozijo e progresso, para bem dos povos envolvidos nas trocas comerciais. Para tal, é necessário que a “honestidade” negocial seja uma norma, conjuntamente com o respeito mútuo. Se tal suceder, tudo poderá ser risonho dos dois lados da equação.

Os produtos oferecidos de um lado, servem a necessidade do outro. Mas, se a um ponto do intercâmbio, um dos contendores mostra falta de caracter e falta de honestidade, abusando da ingenuidade ou fraqueza de “armas” do outro contendor para, a seu belo prazer, o humilhar, então, no meu modesto conhecimento psicológico humano, está-se a criar “a receita ideal” para que, mais tarde ou mais cedo, termos problemas entre os dois povos.

Portanto, a definição de quando “o começo do fim” começou, poderá ser uma questão de semânticas e “concentração” de datas, de feitos ou episódios de resistência que, desde o início, da ocupação, por certo existiram e se desmultiplicaram em várias “escaramuças”, umas com maior impacto que outras mas, todas no mesmo sentido e com o mesmo objectivo. 

O de reganhar a liberdade do território ocupado e, com isso, a dignidade do povo em questão.

Como exemplo, no caso da Guiné Bissau, concentrando-nos em 1959, aquando do massacre do “Pidjiguiti”, se bem que, um dos acontecimentos mais graves até então, não desvirtua a intenção e o significado “patriótico” por parte do povo da Guiné, envolvido noutras escaramuças ao longo dos séculos. Uma das penúltimas, para que conste, ocorreu em 1936, com a revolta dos bijagós de Canhabaque. Outras houve por certo mas, por agora, fico por aqui.

Neste ponto, pergunto: -“Quantos dos nossos camaradas de armas estariam ao tanto de alguns dos episódios de rebeldia, que tinham precedido aquele em que eles estavam envolvidos? Quase que poderia assegurar que, na maior parte do “Zé-magala” desconhecia por completo. Bem, desconhecia por completo não só o que se tinha passado antes, como também muitas outras coisas mais, o que significa que, se estivesse informado, poderia fazer uma melhor ideia sobre o que estava em causa realmente. Se assim fosse, talvez a atitude menos apropriada de muitos dos nossos, nas lides com os nativos, tivesse sido corrigida numa direcção “mais pacifista, em vez de mais conflituosa”. 

Recordo aqui também que, infelizmente, a teimosia do governo português, em não querer “negociar” uma solução pacífica para que, pouco a pouco e debaixo de um entendimento amigável, as ex-colónias – incluindo a Guiné, obviamente – pudessem reganhar a sua independência, também ajudou - e de que maneira! - a “exacerbar” os ânimos, culminando no que culminou.

No entanto, insisto em dizer que, tão-pouco esta atitude do governo português, deverá ser considerada o “começo do fim”. Concordo, isso sim que, se contribuiu para “o fim”, não contribuiu para “o começo” porque, este, já tinha começado há longos anos.
“O começo do fim” tão-pouco deverá ser atribuído ao facto de, por exemplo, “um branco” ter relações sexuais com uma africana, de onde, quantas e quantas vezes, deu origem á vinda ao mundo de um novo ser vivo. 

E quando isso aconteceu ou acontece, obviamente que, a criatura que vier ao mundo dessa relação, não tem culpa alguma dos acontecimentos ou razões por detrás de tal acontecimento.

De facto, conforme já tive oportunidade de referir no meu 1º livro – “palavras de um defunto, antes de o ser”, a política de então em vigor, devido às nossas limitações demográficas (21) de então e ao longo dos séculos, passava pelo encorajamento por parte do governo português para que, os portugueses, se “envolvessem sexualmente” com mulheres africanas, no sentido de “procriarem” um novo ser vivo ao qual, quando tal começou a suceder, se passaram a chamar “mulatos”.

Aqui, somente a título de exemplo, mais uma vez entra em acção a “percepção” do “começo do fim” quando, as autoridades de então, perante o aparecimento de uma “nova criatura” rebento de um branco e uma africana, fazendo uso das “brilhantes mentes políticas” (?) de então, tudo fariam para que “este novo ser”, sendo em parte um deles (branco), passasse a “beneficiar” de um estatuto de “mais-valia” a par dos europeus, em detrimento dos filhos dos nativos africanos.

A criança, sem culpa alguma de sim própria, crescia no meio de um ambiente mais propício, sendo alvo de mais atenções e mais oportunidades, não só com acesso a uma educação mais esmerada como, também, a mais oportunidades de emprego e colocação em posições de “relevo” e mando. Tanto assim que, raro era o “mestiço ou mulato” que não exercesse uma posição superior a um verdadeiro filho de africanos.

Repito que, quantas vezes, sem culpa própria de si mesmo.

Perante estes factos, não era e nem é, pois, de admirar que, a maioria de posições de comando, dos “quadros públicos” – correios, alfandegas, aeroportos, fazenda, administrações regionais (chefes de posto) e outros, estivessem a cargo de “rebentos” das relações sexuais acima mencionadas. Aos “filhos dos locais”, eram reservadas as posições de segunda categoria, como ajudantes, assistentes, cipaios (espécie de regedor) etc. etc., ou nada. 

Para reforçar, o pai da dita criatura, um branco, por certo (22) com relações de amizade com as autoridades locais, tudo faria para que, “o fruto do seu sangue” beneficiasse dos favores que muitos dos “brancos” recebiam, quando se tratasse de oportunidades de negócio ou emprego, ou até, quando se tratasse de “justiça” local – entre “branco e preto”, sendo que, nesta última, 99% das decisões eram sempre favoráveis ao branco, independentemente do grau de culpabilidade ou grau de razão existente.

Todas estas situações, poderiam também ser consideradas como a origem “do começo do fim”, embora eu preferia considerar como “mais achas na fogueira”, no ressentimento acumulado no decorrer dos tempos, mesmo que, cada qual por si só, pudesse muito bem servir de ponto de referência como origem do “começo”. Daí que eu insista no que já disse antes que, “o começo do fim”, teve início com primeira injustiça, praticada após a ocupação inicial. Se estiver errado, errado fico mas, não será por isso que vou mudar de opinião. Só com provas do contrário. 
    
Sobre estes factos e acontecimentos, não farei referência alguma adicional ao já dito porque, na realidade, não é essa a finalidade destas linhas. Quem quiser saber mais sobre isso, que procure noutras publicações. Aqui não é o espaço para isso.

Portanto, passado o 25 de Abril, e após uns quantos meses de incertezas de toda a ordem, finalmente vem o dia da independência e, com isso, uma nova textura humana da cidade de Bissau, dando origem ao nascimento de “Bissaulónia”, quando os portugueses - salvo uma minoria, incluindo a minha pessoa e minha família (mulher e filha) – deram lugar a um sem fim de cidadãos de outras nacionalidades, dos quatro quadrantes do mundo, tais como…“soviéticos; cubanos; alemães do leste; jugoslavos; chineses; coreanos do norte; argelinos; franceses; suecos; noruegueses; dinamarqueses; americanos; líbios, sírios senegaleses, e que sei eu mais de onde, incluindo gente em representação das Nações Unidas, já de si repleta de várias nacionalidades, duplicando-se assim, elementos da mesma nacionalidade, ao serviço da embaixada do país de cada qual, bem como ao serviço das próprias Nações Unidas.

Representações da Aeroflot, bem como agências noticiosas tais como “a tass, a novosti, voz da américa”, e outras mais, incluindo a muito Lusitana “lusa”.

Gente militar e civil, na ordem de centenas, se não mesmo de milhares.

Com isto, só sei que eram muitos e variados e que, de repente, me encontro perante um “emaranhado” de idiomas visitando o meu restaurante “a tabanca” – especialmente soviéticos, falando um português abrasileirado - mas muito bom - despertando em mim uma espécie de “olfacto de esperança”, na perspectiva de bom negócio no horizonte. Ainda viveu, se bem por pouco tempo.

Confesso que, a visão de bom negócio no horizonte, ainda deu os primeiros passos mas, por considerar que, aqui, esta secção, não é o espaço apropriado para descrever este ponto, deixarei para mais adiante qualquer referência sobre isso porque, a esperança contida no meu “olfacto” poderia realmente ter sido possível se, entretanto, não aparecessem as chamadas “batatas podres com pernas”, que refiro no meu 1º livro “palavras de um defunto, antes de o ser” e que, aqui, noutra secção, tentarei relatar com mais detalhes, alguns pormenores de episódios de choque, entre os meus princípios e esta “espécie rara de mal paridos”, alguns deles autênticos “judas ingratos” pelo meu relacionamento com eles, até então!

Por agora, creio que já dei luz suficiente para justificar o porquê, de ter escolhido “Bissaulónia”, para título deste livro. Espero que concordem comigo em que, realmente, é um título apropriado, perante as circunstâncias descritas.

Fim deste capítulo.
Mário Tito - autor

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