INTENÇÃO
– OBJECTIVO
A intenção destas linhas, tem
como objectivo principal, satisfazer um pedido de vários ex-camaradas de armas,
cujos quais, na sua grande maioria, prestaram serviço militar na então chamada
Guiné Portuguesa, hoje um novo país, conhecido como Guiné Bissau.
Uma das razões, assenta no
facto de…, enquanto muitos destes meus camaradas fizeram uma ou mais, (quem
sabe?) comissões de serviço que, normalmente, rondaria os 24 meses, sabe-se lá
em que local do teatro de guerra, quantas vezes em risco constante da própria
vida, eu, considerando-me um “sortudo”, que nem uma pistola tive distribuída, acabei
por ficar na Guiné, após cumprida a minha comissão de 19 meses e 10 dias bem
contados, com “risquinhos” mensais e tudo, no cinto – cópia fiel do uso e
costumes de outros camaradas de armas – ao serviço da Força Aérea Portuguesa, inicialmente
destacado na messe de sargentos e, posteriormente, na messe de oficias, no
coração da cidade de Bissau.
Entretanto, á medida que o
tempo ia passando, eu fui adquirindo uma certa simpatia pelo carinho que os
nativos, demonstravam ter para comigo, tanto na de oficiais, onde me encontrava
na ocasião de passar a disponibilidade, como na se sargentos, por onde tinha
passado no 1º mês, logo após a minha chegada a Guiné, ao ponto de, já na recta
final da minha comissão, insistirem para que eu não regressasse á “Metrópole”, tal
como era denominado na ocasião, o nosso querido Portugal. Portanto, perante
esta onda de carinho e, com uma boa oportunidade de emprego que, entretanto, tinha
surgido num dos locais previstos a abrir nos dias próximos á minha passagem á
disponibilidade - a Solmar - aceitei não regressar a Portugal. Pelo menos
temporariamente.
Com esta decisão, acabei por ficar
por ali, durante cerca de catorze anos e meio e, como tal, proporcionou-me a
oportunidade de ser “testemunha” voluntária
(1) do desenrolar de vários acontecimentos, nunca ao alcance destes meus
camaradas. No entanto, apesar de ter havido “episódios” espalhados por toda a
Guiné, obviamente, só me e possível referir, os episódios “centralizados” na
área de Bissau e vizinhanças limítrofes, tendo em consideração que era aí que
eu me encontrava, “abrangendo” parte do período de guerra, desde a minha
chegada a 17 de Maio de 1967, até ao dia da independência da Guiné,
oportunidade que só os presentes na ocasião, puderam testemunhar – uns num
local e outros noutro. Uns de uma forma e outros doutra. Eu, como já disse,
estava em Bissau.
Portanto, no que me diz
respeito, além do período pré independência que refiro, tive a oportunidade de
assistir – para bem ou para o mal – a toda a mudança da conjuntura social e
política que passou a vigorar na Guiné, após a independência e durante cerca de
7 anos depois. De facto, só saí definitivamente da Guiné, em Agosto de 1981.
Como tal, desde Setembro de 1974 a Agosto de 1981, são quase 7 anos, como já
disse. Seis anos e 11 meses, mais precisamente.
Deste modo, perante esta
certeza e estes factos, creio ser mais que lógico a existência de uma certa
“curiosidade” por parte destes meus camaradas, em quererem saber como “foi
aquilo” depois da partida deles ou, mais englobante, como “foi aquilo”, depois
da independência.
É pois, com grande prazer
pessoal, que tenho a honra de tentar satisfazer esta curiosidade, relatando o que
quer que seja que haja a relatar, o mais realisticamente possível e o melhor
que a minha memória me permite, pedindo desculpa a todos, se acaso não consigo
satisfazer cabalmente a totalidade das vossas expectativas. Aqui, nestas
linhas, só digo o que sei e o que penso estar correcto, mesmo debaixo de alguma
imperfeição humana.
Com um fraternal abraço a todos
os ex-camaradas viventes e, aos que já partiram para “o jardim dos justos”, que
a terra “Lhes seja leve e o sorriso das flores Os embale e ilumine”.
Para
a vida e para a morte, sou o sempre Vosso fiel camarada, Mário Serra Oliveira -
1º Cabo amanuense nº 262/66 – ZACVG.
(Mário Tito - autor)
HOMENAGEM
- RECONHECIMENTO
Aqui, e por respeito para com
o meu semelhante, independentemente de pontos de vista políticos e acções do
passado, sinto-me com o dever cívico de prestar uma homenagem de
reconhecimento, a alguns elementos do PAIGC que, após a independência da Guiné,
fizeram parte do Governo, ou que ocuparam outras posições de liderança naquela
ocasião, com os quais tive a oportunidade e o privilégio de conviver – e até
servir - atendendo á minha posição de comerciante no ramo da restauração, os
quais, na sua maioria, de uma forma ou de outra, foram muito atenciosos para
comigo (2). Nem todos, mas uma boa
maioria.
Procurarei também, separar o
“trigo do joio” entre estes últimos homenageados e outros protagonistas ligados
ao PAIGC porque, efectivamente, como já disse, nem todos aqueles com quem
convivi – independentemente do cargo que acaso ocupassem na ocasião – usaram a
mesma cortesia, o mesmo respeito e a mesma justeza, na suas lides diárias ou
ocasionais para com a minha pessoa.
De facto, por parte de alguns
destes, aos quais farei referência dos seus actos e atitudes noutra secção destas
linhas, se houve algum excesso ou empenho, foi de abuso e prepotência, numa
tentativa de “dificultarem o mais possível” a minha vida, bem como a da minha
família. O porquê, só eles o saberiam ou, como sempre desconfiei, só eles
teriam em mente um determinado objectivo - político ou não - aberrantemente
paupérrimo.
Que
eu desistisse de “remar contra a maré”, entregando os meus negócios –
gratuitamente – ao estado (3). Este era o objectivo.
Só que se esqueceram de ter em
conta o “material” de que é feito a minha caixa encefálica, geneticamente
herdada da “forma de ser” da minha querida mãe, de uma índole indomável,
perante a razão e em face da prepotência, capaz de tirar a camisa do corpo para
dar ao meu semelhante, se este necessitar e a merecer. De facto, conversando a
bem, até talvez fosse possível os objectivos deles serem realizados mas, a mal,
nunca. Só morto!
Mas, nesta secção, tratando-se
de um espaço dedicado a uma homenagem, permitam-me seguir adiante,
concentrando-me em alguns dos nomes que considero merecedores de reverência, a
quem, com toda a minha sinceridade, presto uma póstuma homenagem aos já
falecidos e, aos ainda vivos – se os houver, depois de tantas escaramuças
politicas naquela “pobre Guiné Bissau – apresento os meus mais profundos e
sinceros agradecimentos.
Deste modo, cada qual pelo seu
motivo mas, todos pela sua atenção, boas palavras e cortesia, aqui ficam os
nomes e cargos que ocupavam na ocasião, de todos os que a minha memória permite
recordar com agrado e profundo reconhecimento, pedindo desculpa por se acaso a minha
memória me atraiçoa, esquecendo-me de mencionar algum outro nome.
Temos: - Laurentino Lima Gomes, comissário das obras públicas; Francisco Mendes, também conhecido como
“Chico Tê”, 1º ministro, mais tarde
assassinado; Armando Ramos, comissário
do comércio; José Pereira, comissário
da segurança social (se não estou em erro…) Juvêncio Gomes, presidente da camara municipal de Bissau; Victor Saúde Maria, comissário dos negócios
estrangeiros; Manuel Saturnino, cuja
posição não recordo; Marcelino Lima,
director dos armazéns do povo; um tal senhor ou camarada – como lhe queiram
chamar - Embaló, cujo nome completo
não recordo, director da Dicol (antiga Sacor); José Carlos Schwartz, cuja posição que ocupava desconheço mas que,
a título pessoal, era membro do conjunto musical Cobiana Djazz, autor e poeta,
falecido num trágico (4) acidente de aviação em Cuba; Carlos Gomes Júnior, (Cadogo) ex-1º ministro da Guiné, e
outros que, de um modo geral, foram muito corteses para comigo e minha família.
Aos já falecidos, que a terra
lhes seja leve. E, aos ainda viventes, aqui fica mais uma vez, o meu sincero e
honesto agradecimento por tudo quanto fizeram e disseram, para aliviar as
incertezas que “pairavam” no ar a cada instante.
Os nomes daqueles que foram
uma espécie de “carrascos” para comigo, não têm lugar aqui nesta secção, em
respeito aos acima homenageados, numa tentativa de não misturar “o bom com o
mau”, separando com isso, o “trigo do joio”, conforme prometi anteriormente. No
entanto, cada qual a seu tempo, será alvo de referência, quando chegar o
momento de relatar os episódios em que tristemente estiveram envolvidos contra
mim.
Ao mesmo tempo, antes de dar
início aos capítulos que irão fazer parte do “corpo principal” deste livro, não
poderia deixar de fazer também, uma singela homenagem, a todos os
milhares dos meus camaradas ex-combatentes das Forças Armadas de Portugal, que
prestaram serviço no chamado “ultramar português” durante as guerras de
libertação das ex-colónias, tendo em especial consideração, os milhares de
camaradas que, no conjunto geral, uns numa ocasião e outros noutra, passaram
pela então chamada Guiné Portuguesa, numa comissão de serviço que, normalmente,
rondaria os 24 meses como já disse, a quem estas linhas são dedicadas.
Até lá, aqui fica esta singela
homenagem aos que, por bem serviram e, em 1º lugar mais uma vez, os meus
camaradas de armas e, por bem fazerem, aos acima referenciados. TODOS ELES, por
direito e consideração, dignos ILUSTRES desta homenagem.
Sinceramente.
Mário Tito - autor
NOTA
DO AUTOR
Seguidamente, através do
progresso da leitura destas linhas, os leitores irão notar que, certos
episódios aqui relatados, são descritos numa linguagem sem rodeios e sem
preconceito algum, considerando que, ao pretender “ser eu mesmo”, não hesitarei
em chamar aos protagonistas de certos acontecimentos e episódios onde estive
envolvido, pelo nome que considero apropriado, reflectivo do meu estado de
espírito na ocasião, sem que, com isso, a minha referência pessoal a estes
indivíduos, seja considerada extensiva a mais alguém, além dos “atingidos”. De
modo algum, é minha intenção ofender alguém, generalizando qualquer “palavra”
mais descritiva da minha opinião para com os indivíduos em causa.
Quem
mal não me fez, mal não deve esperar de mim.
Aqui, tudo o que eu disser, é
o fruto da emoção da ocasião, perante a incerteza reinante, pela raiva contida
dentro de mim, devido á autocrática atitude de alguns dos elementos envolvidos,
numa demonstração de ingratidão total para com quem “confiou cegamente” que,
valeria a pena “arriscar e ficar por ali”,. no meio do povo da Guiné, o qual
sempre respeitei e respeito profundamente, na esperança que poderia servir de
um exemplo de boa convivência, onde os meus serviços fossem úteis e
apreciados, esperando como reconhecimento, o respeito e nada mais.
Infelizmente, a esperança despertada
em mim, quando fiz a decisão que fiz, em ficar por ali, foi atraiçoada, deitada
por “água-abaixo”, não por “obra e graça” do povo da Guiné, mas sim por “obra,
abuso e prepotência total” de meia dúzia de “energúmenos mal paridos”.
Como já disse, não procuro
“ofender” ninguém, nem tão-pouco, agradar a ninguém. Não tenho “feitio” para
fingir, a não ser em casos de extrema gravidade onde, por exemplo, “ao dizer-se
a verdade” se possa causar danos ou emoções pessoais irreparáveis. Aqui, nestas
linhas, não será esse o caso e, como tal, limitando-me a ser “eu mesmo”, como
já disse, não hesitando um “iota”, em tentar “pegar o touro pelos cornos”.
O touro, aqui, poderá ser
considerado a situação de alguns “seres humanos” que, pela sua origem genética,
possam ser - ou parecer ser - alvo de possíveis referências menos “elogiosas”
da minha parte, devido às circunstâncias da vida, que os colocou na “linha de
fogo” dessas possíveis referências, quantas e quantas vezes sem culpa própria
de si mesmo. De facto, a existir alguma culpa em relação a alguns “indivíduos”,
nada terá a ver com a sua “genética ou sua origem” mas, sim e somente, pela sua
atitude através da sua intervenção em episódios vários que, pela sua complexidade,
não adianta mencionar aqui, nesta secção.
Por exemplo, enquanto há
pessoas que se “encolhem” em fazer referências ao aspecto “racial ou étnico”,
de uma determinada forma, para não “levantarem pó”, devido á sensitividade
relacionada com este aspecto “sociológico” – normal, diria eu – como, por
exemplo, “terem acanhamento em “referir-se directamente” que… “preto é preto”,
“branco é branco” e, “mestiço é mestiço”, sendo que, na realidade, não deixam
de ser todos seres humanos, em igualdade de circunstâncias.
Quem faz o caracter do ser
humano não é, por certo, a “cor da pele do preto, do branco ou do mestiço” mas,
sim, a forma de ser de cada quem, bem como o relacionamento de cada um dos
“portadores da cor da pele em questão”, em relação aos outros seres humanos,
seja nas lides do dia-a-dia, ou seja pelas suas decisões quando em posição de
as tomar, em relação aos “portadores” de uma tese de pele diferente da sua.
Por isso, qualquer referência,
aparentemente “negativa”, que acaso eu venha a fazer aqui, nalgum lado nestas
linhas, nada tem a ver com o facto da “pessoa-alvo” dessa referência, seja
“preta, branca ou mestiça”. Se refiro “este aspecto” e somente para ir de
encontro “a verdade” sobre, quem como e porquê, fez ou deixou de fazer, fosse o
que fosse em relação á minha pessoa. As minhas referências, tipo “queixas ou
desabafos”, são dirigidas ao ser humano e não “à pigmentação da pele” de quem
quer que seja. Qualquer referência á cor da pele, e só isso mesmo. Referência e
não acusação.
Que
fique bem claro, na mente de todos os leitores.
Depois, há ainda aquelas
circunstâncias que leva determinadas pessoas a pensarem que podem “pensar pelos
outros” (5), quando é possível que, as
pessoas de quem estas pessoas pensam da forma como pensam, possam vir a pensar
totalmente diferente, pensando por si só livremente, sem a interferência de
estranhos.
Confuso? Talvez…mas a culpa
não é minha. Pensassem todas as pessoas “razoavelmente” e sem preconceitos,
talvez eu não tivesse que fazer este esclarecimento tão pormenorizado.
Com isto, a referência feita
mais adiante a pessoas “mestiças” originárias de Cabo Verde, não significa
qualquer animosidade para com os “cabo-verdianos” em si mesmo mas, sim e
somente, serve para ilustrar um problema existente, amplamente do conhecimento
publico, no que concerne ao relacionamento entre “guineenses e cabo-verdianos”
na ex. Guiné Portuguesa, agora Guiné Bissau. Mais adiante os leitores irão ter
a oportunidade de se dar conta do que aqui tento explicar.
Mas, levantando um pouco “o
véu” sobre o tema, referir-me-ei aquela espécie de “romanticismo” existente
ainda nos dias de hoje - de uma forma exagerada quanto a mim - á volta de toda
a figura de Amílcar Cabral, proclamado fundador (6) do PAIGC e, principal
dinamizador da luta armada para libertação da Guiné e Cabo Verde. Mas, por
certo, não o único!
De facto, todos os romances
“são bonitos”, se bem que, na minha opinião, todos pecam pelo exagero na “mistificação”
de alguns dos seus personagens principais. Porquê? Pois, em parte porque,
nenhum destes personagens foram ou são “perfeitos seres humanos” e, como tal,
poderão estar recheados de imperfeições e julgamentos menos afortunados,
completamente fora da realidade (7)/
Finalmente, nesta nota,
permitam-me referir também que, pela minha educação (4ª classe, á idade de 11 anos e, mais tarde, já com cerca de 50 anos,
a equivalência ao 12º grau, sem cursos superiores… além do “mestrado” da mundialmente afamada universidade da “pdv” – creio que,
se juntarmos a isso, a longa ausência da “Mãe Pátria”, os leitores não deveriam
esperar de mim, que vos apresentasse aqui um texto sem erros verbais ou
literários.
Mais! Atrevo-me a dizer que, até
seria um erro, se erros aqui não houvesse porque, conforme diz um dos meus
“slogans”...
“a minha imperfeição,
é o que faz de mim, um perfeito cidadão”.
Deste modo, sendo
cronologicamente o 5º filho, de um conjunto de sete, de uma das famílias mais
pobres da minha aldeia – o Alcaide, situado na encosta Norte da serra da
Gardunha, “capital da minha constante saudade e sombra que me acompanha 24
horas por dia” - qualquer expectativa, por parte dos leitores, de virem aqui encontrar
uma linguagem “polida”, com frases compostas para “agradar á plateia” e,
portanto, uma linguagem “falsa e disfarçada” das mazelas literárias do autor,
sem “defeitos linguísticos”, estão redondamente enganados.
Aqui, tal como numa feira de burros…
“o animal que vêem, é o animal que compram” porque, para mais não deram, e só a
tanto chegaram, os meus parcos conhecimentos. Tudo o que aqui for escrito, será
só e somente da minha responsabilidade, sem interferência alguma de outrem, (8)
“tanto para o bem como para o mal”.
De um modo geral, o que aqui for
escrito, reflecte o que a linha de pensamento do “meu ser” exige que escreva,
saindo “directamente” das profundezas das minhas entranhas, sentindo às vezes
raiva de mim próprio, perante tanta “falta de saber” mas que, no fundo, me
deixa feliz da vida, pela teimosia em insistir e “atrever-me”, a mais
uma aventura literária, para a qual sinto que nasci mas que, as “fortunas da
vida” não me prepararam convenientemente.
É, como tentar “remar” contra a maré,
sem marinheiro nunca ter sido.
Permitam-me recordar ainda que,
o meu 1º livro, solo da minha autoria, já foi publicado pela editora do Chiado,
cujo título é…. “Palavras de um defunto,
antes de o ser”. É um livro misto, baseado em episódios de ficção e factos
factuais, descritos de uma forma humorística. E, á data
destas linhas, participei ainda, de uma forma conjunta – como co-autor –
em dois outros livros de poesia, publicados pelas editoras “edições e-copy” e,
mais uma vez, editora do Chiado.
É tudo, nesta nota.
Mário Tito - autor
INTRODUÇÃO
Conforme o título deste livro
indica, a cidade de Bissau é a protagonista-principal, sobre a qual, o titulo
deste livro foi inspirado, tendo como referencia os períodos de “antes e depois
da independência”, em relação às mudanças “visualizadas” pela minha pessoa, no
que concerne á composição da “textura humana” da cidade, desde o ponto da minha
chegada a 17 de Maio de 1967, e o período pós independência – 10 de Setembro de
1974, sem que, com isso, me venha a envolver demasiado a descrever todo o
passado da mesma, nem tão-pouco descrever a origem dos vários povos que
ocuparam a zona da ilha de Bissau, anteriormente á chegada dos portugueses,
incluindo episódios de resistência desde o início da ocupação do território,
que é hoje conhecido como Guiné Bissau.
Este aspecto, se bem que, aqui
e ali, poderá ser alvo de alguma referência, não faz parte da minha intenção
inicial. E, se acaso alguma referência vier a fazer, será mais para “realçar”
qualquer outro ponto que queira chamar á atenção, tal como o facto que, na
verdade, vários foram os povos que “povoaram a Guiné Bissau” e que,
periodicamente travaram lutas entre si, incluindo a união de forças contra o
último dos ocupantes - os portugueses. De facto, quase que se poderia dizer
que, desde a chegada dos portugueses, sempre existiu alguma determinada forma
de “resistência”.
O título, é ainda inspirado na
“base” das drásticas mudanças feitas pelas autoridades locais pós
independência, com decretos e leis desconhecidas de todos - excepto os que as
decretaram - até serem implementadas de um modo “punitivo”, sem qualquer
condescendência pelo desconhecimento de tais leis, com um impacto tremendo no
dia-a-dia da vida quotidiana e financeira, logo após a independência, em
detrimento do modo de vida local, bem como nas perspectivas de se poder exercer
uma actividade comercial livre e promissora, que incutisse esperança no futuro.
Continuando, a ideia deste
livro, tem por base a descrição de Bissau, perante a minha própria percepção ou
óptica de modesto observador, adquirida logo aquando da minha chegada á Guiné,
em comparação com a radical transformação notada, após a independência. Mas, francamente,
reconheço que até poderei cometer algum erro de análise na minha “observância”,
quando comparada com o título que escolhi para este livro, pelo que, se assim
for, mais uma vez junto a “referência feita antes” na nota de autor, onde tento
alertar para qualquer imperfeição literária, considerando a minha pobre preparação
nestes “meandros” de escrever para o público.
Entretanto, como irão notar, eu irei recorrer
por mais que uma vez, a frases de chamada de atenção para determinadas datas,
tal como dizer… “estamos na data tal e tal, do ano tal”, devido a que, o
desenrolar da descrição de certos episódios, se entrecruza com outros de mais
prioridade ou necessitados de uma explicação mais pormenorizada. E, quando
assim acontece, é possível que o episodio deixado para trás, não seja terminado
no mesmo capítulo onde teve início.
Faço esta mudança, na intenção de não “enredar
o leitor” na leitura de “dois temas” ao mesmo tempo, correndo o risco de ficar
perdido no meio da leitura do que quer que seja e, com isso, não se encaixar
bem nos episódios em discussão. Sinceramente penso que, com o uso de “chamada
de atenção” para determinadas datas, dou oportunidade ao leitor de “refrescar”
a memória, transportando-o ao tempo do episódio já começado.
Aqui, eu equiparo este “dilema” com aquela
situação do “homem, com um lobo, uma ovelha e uma couve” pertenças do homem que,
forçosamente tinha que atravessar o rio de uma margem para a outra, numa canoa
onde, á vez, só poderia ir ele e uma das suas pertenças. “Ou homem e lobo; ou
homem e couve; ou homem e ovelha”. Não sei se o leitor está a “ver” bem – mesmo
que através destas linhas – o dilema do homem! Se atravessasse ele e o lobo, a
ovelha poderia comer a couve. Se atravessasse ele e a couve, o lobo poderia
comer a ovelha. Mas, se travessasse ele e a ovelha, não se acredita que o lobo viesse
a comer a couve.
Assim parece ser, se assim fosse. Mas não é! Ou
se é, não acaba ali o dilema do homem. Portanto a solução foi…
…experimente
o leitor e, quando atravessar pela primeira vez junto com a ovelha, regresse
para levar a couve ou o lobo consigo, regressando novamente para atravessar com
o último dos seus haveres.
Se reparar bem, ao regressar a primeira vez,
depois de ter levado a ovelha consigo, fica a ovelha sozinha mas, ao regressar
a segunda vez, depois de levar a couve ou o lobo, tanto a ovelha pode comer a
couve como o lobo pode comer a ovelha, ao regressar a terceira vez! É certo ou
não é certo? Portanto, a solução não é assim tão fácil. É possível, mas não é
fácil.
Um dilema similar ao do homem,
tenho eu em certas passagens do livro quando me encontro numa encruzilhada de
temas entrelaçados uns nos outros, obrigando-me a deixar algum a meio, na
tentativa de realçar algum ponto que se sobreponha ao tema em discussão. Espero
que compreendam o quero dizer e onde quero chegar.
Deste modo, tentando dar uma
“luzinha do que acaso fique pendente” quando voltar ao mesmo tema, faco
referência á data do episódio, de modo o leitor “apanhar o fio da meada” e ser
transportado ao tempo, do tema em questão, como já disse antes.
Por exemplo: É possível que
refira por mais que uma vez, “estamos a 10 de Setembro de 1974” - data da
independência da Guiné e nascimento da Bissaulónia” ou “estamos a 21 de Março,
de 1975 - um dos anos mais difíceis da minha estadia na Guiné e, diria mesmo na
minha vida - data em que, tropas do PAIGC prenderam 4 empregados meus, em
frente do meu nariz (9), aos quais
eu tinha dado trabalho após terem sido desmobilizados, depois de forçados a
entregar as armas, quando os mesmos tinham lutado lado-a-lado com as nossas tropas,
servindo a nossa bandeira (10).
Finalmente, creio que como introdução
descritiva de alguns pontos que considerei necessário fazer, já foi dito o
suficiente e, como tal, termino, convicto que os leitores irão gostar imenso de
ler este livro, fazendo votos sinceros de uma agradável leitura, começando pelo
1º capítulo, intitulado “Primeiros passos
de Bissaulonia”.
Que tenham uma boa leitura, são os meus votos.
Mário Tito - autor
CAPITULO
I
***
“Com um pouco de humor e muito respeito por todos os
referenciados – pessoas
e povos – na suprema intenção de preservar
uma amizade sã e duradoura, entre todos os protagonistas, de alguma
forma são aludidos aqui nestas linhas”. Refiro também que, conforme faço
constar em vários locais deste livro, durante a narração de alguns episódios,
onde expresso a minha honesta e respeitosa opinião – atendendo á minha
experiencia pessoal - de modo algum pretendo generalizar qualquer crítica e
muito menos associar o PAIGC - como partido - ao comportamento menos próprio de
alguns elementos que eu considero uns degenerados, fugidos da linha
tradicional, que seria de esperar, de uma organização idónea e madura
politicamente, como o PAIGC.
Aqui, tal como em todos os partidos políticos – nuns mais noutros
menos – alguns elementos do PAIGC actuaram de um modo fora do normal, em
relação não só á minha pessoa, como também em muitos outros aspectos, contra os
próprios interesses, tanto da Guiné como de Cabo Verde. Espero sinceramente que
os leitores assim interpretem as minhas palavras.
“Os primeiros passos de
Bissaulonia”
***
Eu estava lá, e assisti
ao parto!
Eu vi-a nascer, e fui o
padrinho!
E, como tal,
permitam-me gritar bem alto…
“Viva a República
Democrática da Bissaulonia”!
Viva! Hurra…hurra!
Sim! Eu estava lá e assisti ao
parto! Eu via-a nascer e sou o padrinho de Bissaulonia, com a publicação deste
livro, em honra não só de Bissau como, também em honra de todos os cidadãos
guineenses e, em particular em honra de todos os “mártires guineenses” que,
durante cerca de 5 séculos, deram a suas vidas pela causa mais nobre que um
povo pode ter e querer.
Liberdade!
Soberania! Dignidade e respeito!
Na ocasião, por lá me
encontrar a viver, dei os parabéns a todos os “Bissaulonianos” pela nova
Pátria, livre e soberana de qualquer jugo - interno ou externo (11) - respeitando também,
honrosamente, todos os “mortos” do outro lado da equação, na maioria
portugueses que, através dos primórdios da sua chegada á costa africana da
Guiné, numa missão que, a história nos diz ser nobre, mas que, infelizmente,
por actos menos “louváveis” praticados através dos tempos por elementos menos
escrupulosos, foi distorcida dos princípios basilares do respeito pela
dignidade do ser humano, fosse qual fosse ou seja qual seja, a cor da
“pigmentação” da sua pele.
Um
ser humano, é um ser humano.
Eu, como cidadão do mundo, se
há algo que me mova na defesa de todos os seres vivos - incluindo cães e gatos
- é uma aferrada convicção de exigência de trato linear - de igual para igual -
nas relações entre todos os povos do mundo, independentemente da religião,
política ou cor da pele.
Sim, é certo que, na ocasião,
o mundo era visto através de uma premissa inspirada numa ideologia missionária (12) – e não só – que, como o tempo
claramente demonstrou, escondia uma ideologia mercantil, nem sempre a mais
apropriada, no respeito e trato para com o seu semelhante mais vulnerável,
considerando que, no outro lado, estava um ser humano em igualdade de
circunstancias, merecedor do mesmo respeito que, os mesmos missionários se
exigiriam a si próprios, se a situação fosse ao contrário.
Quantos não foram os filhos da
Guiné - por mim renomeada como Republica Democrática da Bissaulonia, a partir
de 10 de Setembro de 1974 - que, através dos tempos, não deram o seu melhor,
incluindo a própria vida, numa tentativa de se livrarem dos ocupantes e, com
isso, reganharem o controlo sobre os destinos do seu povo, com direito a “ser
eles mesmo ao lemo” nos destinos de todo o povo “Bissauloniano”,
independentemente de qualquer “mazela governativa” que, como seres humanos,
logicamente poderiam vir a ter? Sim, quantos foram? Por isso, que a suas almas
restem em paz e honra seja feita a ambos os povos, entre os quais eu me incluo.
É, pois, com muito carinho e
dobro de respeito, para com todos os guineenses – mortos e vivos – que aqui tento
“salpicar” com um pouco de humor estas linhas, de modo a tornar as mesmas “menos
dolorosas”, sem que, com isso, deixem de ser realísticas, quanto ao objectivo
pretendido, sobre o teor das linhas deste livro, intitulado Bissaulonia, tendo
por protagonista, a cidade de Bissau, terra natal da minha única filha,
significando que, efectivamente, eu poderia dizer que ela também é uma
guineense. E porque não?
No texto seguinte, os leitores
poderão “decifrar claramente” que se trata de uma “narração” humorística,
sarcástica talvez, aos olhos ou á interpretação de alguns leitores, mas que, no
meu ponto de vista, traduz fielmente o panorama político que se viveu na Guiné,
antes e após a independência, de acordo a minha observância.
Aqui vai.
“Bissaulonia”! Recordo o dia
do teu nascimento, cujo acontecimento foi celebrado por ricos, pobres e
remediados em todo o país, embora, por notícias escapadas de fontes bem
informadas, tudo indicasse que “o parto” tinha sido muito doloroso, de “barriga
aberta sem anestesia”, trazendo á luz do dia, uma “criatura” frágil, de aspecto
doentio, embora demonstrado um “génio” lutador, característica de cada
guineense.
Coitadinha! Notava-se bem ser
uma “criatura” pouco saudável. Frágil, amarelinha mas, como uma guineense,
muito estóica e persistente. E, embora o aspecto dela não augurasse muita
saúde, o certo é e foi que, pouco a pouco começou a gatinhar e a querer dar os
seus 1ºs passos, sozinha! Levanta aqui, cambalhota ali. Tropeça além, cabeçada
acolá. Assim, não admira que, periodicamente, aparecesse com “galos” na testa,
ao mesmo tempo que, como traquina que era, sempre com um sorriso nos lábios, de
onde sobressaiam duas fileiras de dentes, mais brancos que o marfim. Era
terrivelmente “traquina”, esta criatura.
Passava o dia a tentar
levantar-se e a cair, numa tentativa de querer seguir pelo seu próprio pé, sem
a interferência de estranhos. De facto assim era porque, posteriormente se vem
a saber que “os pais, de origens étnicas” diferentes, nunca se deram bem, mesmo
durante o namoro, embora tentassem disfarçar, muito maligamente por obras e
actos, há que o dizer, por parte do pai mais “arrogante” ou mais pretensioso.
O outro, de uma tendência
natural de humildade, mais que demonstrada durante seculos, continuava a ser o
mesmo. Dócil, cooperativo, paciente, na esperança que o outro parceiro
“descesse á terra” deixando-se da “utopia” em que se encontrava embebido e,
quiçá, mostrasse algum empenho de respeito, por ambos fazerem parte daquele
“enlace único e histórico”, ainda que pouco promissor.
Não! O abuso continuava
abertamente e ao ar livre. Era notório! E, só quem fosse muito teimoso ou muito
arrogante e “falho de tacto” político-social, não se daria conta que, aqueles
abusos não poderiam continuar por muito mais tempo. No ar, respirava-se “abuso
matrimonial”. Cheirava-se a “queixumes” de um dos conjugues e a “gargalhadas de
despeito” por parte do outro. No ar, pressentia-se que o fim daquele enlace
forçado, estava preso por um fio.
E estava!
Sabendo isso de antemão, e sem
necessidade alguma da minha parte, na consulta de entendidos neste meandros
socio pedagógicos, nem sentir necessidade de frequentar universidades na
procura de “mestrados” sobre política entre povos, sempre predisse que o fim
deste “matrimónio” - que, aqui nestas linhas, com o devido respeito para com os
dois povos envolvidos, é descrito humoristicamente como sendo um matrimónio
entre dois seres do mesmo sexo - não iria longe. E não foi porque, finalmente,
a 14 de Novembro de 1980 (13), o que era mais que
previsível acontecer, aconteceu.
O divórcio previsto, fatal e mais que esperado.
E eu, que já tinha assistido ao nascimento “Bissaulonia”, mais uma vez, lá
estava presente, para assistir!
Na realidade, eu sempre
relacionei a aparente doença da “criatura”, com a amargura “interior” que a
mesma sentia, por saber que, mais tarde ou mais cedo, o divórcio iria ser a
solução. Infelizmente, por tanto tempo durar a que tal sucedera, muitas
cicatrizes se foram infligidas mutuamente entre “os conjugues”, algumas delas
de caracter grave que, por muito boa vontade que houvesse em as curar, na
intenção que os dois ex. parceiros se “falassem” respeitosamente, dificilmente
puderam ultrapassar todas as mazelas deixadas por aquela relação falhada.
Infelizmente, acontece a muito
boa gentinha, por muito boa que seja. Mas, mais acontece a quem não usa o
“senso comum”, na sua aproximação a qualquer “utopia” que acaso possa criar na
sua mente.
Resta, talvez, para conforto
dos “utopistas”, saber que o mundo está cheio de exemplos similares, sobre
planos políticos “utópicos”, se bem que, mais uma vez, o dito conforto
acaba por ser agravo exactamente porque, a existência de exemplos
passados deveriam de servir de guia de referência aos “utopistas” tendo em
conta que…“algo já falhado, não deve ser
experimentado” e, muito menos, á custa de vidas humanas, e do bem estar de
todo um Povo. “Utopia”, sem senso comum, é só isso mesmo.
U
t o p i a!
Mário Tito - autor
CAPITULO
II
“O
começo do fim”
“Bissaulonia”, é o título
escolhido para este livro, influenciado na cidade de Bissau, como já referi
anteriormente, cujo nome sugere ter uma “conotação” com a bíblica cidade da
Babilonia, onde os habitantes se misturavam numa amálgama de idiomas que,
segundo relatos “bíblicos”, foi uma forma de “Deus” castigar os homens por
ousarem desafiarem a sua “grandeza” (14).
Em “Bissaulonia”, procuro descrever, não só as mudanças por
mim visualizadas na cidade de Bissau, no contexto da composição da “textura
humana” desde a data da minha chegada á Guiné, e o período pós independência,
como também procuro relatar as mudanças feitas na política local, com todas as
suas consequências sociais e económicas que, lamentavelmente para mim e minha
família, se reflectem ainda hoje num determinado sentimento de “raiva interior”
por impotente, em face da “ingratidão” demonstrada para com a minha pessoa, por
parte de alguns indivíduos pouco escrupulosos, que estavam em cargos de poder
local – embora não sendo os chefes máximos.
Ingratidão, não por parte do povo
da Guiné nem por parte da maioria dos membros da “cúpula” do Governo da Guiné,
mas sim por parte de meias dúzia de “mal paridos”, aos quais eu chamei no meu
1º livro intitulado, “palavras de um
defunto, antes de o ser” e chamo aqui novamente – sem hesitação alguma –
“batatas podres com pernas”.
Ingratidão e prepotência
abusiva, para com quem demonstrou uma confiança “cega” na capacidade de “quem”,
na ocasião, estivesse ao lemo dos destinos da Guiné Bissau, pensando que, quem
quer que fosse, saberia diferenciar entre aqueles que acaso tivessem tido um
comportamento menos apropriado no passado, para com os nativos da Guiné, e a
pessoa que tinha arriscado tudo o que tinha ganho até ali, incluindo ficar
empenhado com letras bancárias, aquando da aquisição de outros locais de
actividade, onde, por certo, daria trabalho a alguns guineenses, bem
necessitados do mesmo, incluindo alguns dos militares africanos que tinham
servido a nossa bandeira, desmobilizados e forçados a entregar as armas,
ficando ali á “mercê dos lobos” (15).
Como disse, não foi o “povo da
Guiné em geral” que foi ingrato, nem tão-pouco muitos dos membros “da cúpula”
directiva do governo, mas sim, uns quantos elementos que se apoiavam na
prepotência e no abuso de poder, por terem “compadres empoleirados” pertencentes
á ala política que mais reinava na ocasião.
Aqui, refiro-me á famigerada
“ala política” cabo-verdiana que, como autênticos “judas”, foram muito ingratos
para comigo, dando razão a algumas menos elogiosas referências que aqui faço,
nalgum lado destas linhas.
Nunca
esqueci nem esqueço, o que me fizeram e tentaram fazer.
Aqui, neste ponto, convém
referir que, Bissau, foi durante séculos e até á independência da Guiné Bissau,
uma cidade bem identificada, de aspecto pacato e sereno, em nada que se
parecesse com uma cidade multilinguística, salvo aqui e ali, um ou outro idioma
de um impacto considerável a nível mundial mas que, ali, era reduzido a um
limitado número de utentes, nas suas lides comerciais com os países ou
territórios limítrofes.
Refiro-me, principalmente ao idioma
francês, pela proximidade dos territórios-países fronteiriços, como a Guiné
(Conacri) ex. Guiné Francesa e o Senegal, países onde o idioma francês é “rei”.
De lembrar que, Casamansa, “província-celeiro” do Senegal, pertenceu em tempos
á própria Guiné Bissau, ao mesmo tempo que, a região de Cacine, no Sul da Guiné
Bissau, pertenceu á Guiné (Conacri).
Curiosamente, poucas horas
após ter chegado ao aeroporto da BA-12 (Bissalanca), a escassos 11-12 km de
Bissau, desloquei-me – a pé - a esta cidade, para entregar uma mensagem de
recomendação da minha pessoa, feita pelo até então meu chefe de secretaria, na
secção de justiça da FAP, na BA-3 em Tancos. O conteúdo da mensagem, nunca
soube qual era mas, pelo resultado (positivo) creio que se tratava de boas
“referências” a meu respeito já que, tendo ali chegado às 11:20 do dia 17 de
Maio de 1967, somente pernoitei uma noite na camarata comum, partindo no dia
seguinte rumo á messe de sargentos da FAP, localizada na cidade de Bissau,
quase no centro da cidade.
Mais precisamente, no chamado
“Chão Papel”, perto do campo de futebol, exactamente na rua onde, a cerca de
1-2 quarteirões, funcionava uma espécie de “bôite” muito frequentada, conhecida
como “Chez Toi” - onde fiz alguns “biscates” remunerados como empregado de mesa,
tendo mais tarde, mudado de dono e de nome, passando a ser conhecido como “Gato
Negro”. Ambos nomes, sinónimo da presença de “gado rachado”, com um “gato
negro” ao fundo da barriga.
Inicialmente, não me apercebi
de imediato, o que a “senhoria” da minha nova morada, poderia esconder no seu
“regaço ou nas suas faldas” porque, a minha posição de 1º cabo a nas messes que
já referi, “consumia” a maioria do meu tempo – principalmente nos primeiros
dias - considerados de adaptação e aprendizagem.
Porém, pouco a pouco, livre
por algumas horas nocturnas ou aos fins-de-semana, fui-me dando conta do
aspecto “pouco cosmopolita” que a cidade de Bissau aparentava ser, na ocasião.
Os idiomas, além de vários
dialectos locais, que mais sobressaiam das conversações do dia-a-dia, nos
passeios e nos lugares de convívio, eram o português e o “crioulo”, este último
originado numa mistura de português e o dialecto das tribos que viviam na
região onde os navegadores portugueses tivessem “arribado e assentado pé” noutros
tempos. Tanto assim que, além do “crioulo de Cabo Verde”, também conhecido como
“crioulo da Alta Guiné”, existem 3 outras versões de “crioulo”.
O crioulo de
Bafatá; o crioulo do Cacheu e o crioulo de Zinginchor, cada qual assente no
português e, subsequentes-excertos, nos dialectos dos povos que se encontravam
a viver naquelas regiões.
Nas ruas, uma azáfama
constante de veículos motorizados, na maioria militares e seus ocupantes,
demonstrando claramente que, por ali perto ou lá mais ao longe, “cheirava” a um
conflito armado, iminente ou constante. De facto, nem era preciso isso para se
“pressentir ou adivinhar” que assim era porque, periodicamente, ao cair da
noite, faziam-se presentes o “troar estrondoso” dos disparos de canhão ou de
morteiro, cujo som dos estrondos penetrava através das trevas da noite escura
ou, como que necessitasse de um guia, através da claridade da lua cheia, vindos
do outro lado do rio “Geba”.
Aqui, confesso que, no início
levei aquilo com certa apreensão mas, com o tempo, fui-me acostumando, tal como
todos os outros. Quando se ouviam os estrondos, perguntávamos uns aos outros… “Onde será”? – “Deve ser na região de Tite” – respondia alguém mais conhecedor.
Nos passeios de Bissau,
principalmente na chamada “Bissau velho”, localizada na parte baixa da cidade,
com destaque para a chamada “rua das montras”, o comércio vibrava na procura de
artigos vindos de toda a parte do mundo, com realce para electrónicos e roupas
“leves” de origem chinesa (Macau), incluindo serviços de louças chinesas, que
atraíam a atenção dos transeuntes, num “reboliço” constante, entre militares e
civis. Na ocasião, arriscava eu a predizer que, entre a população civil,
deveria de existir uma mista de residentes locais de origem portuguesa, bem
como “transitários” devido á sua ligação a militares.
A cobiça, sobre os produtos em
exposição nas montras, era de todos mas, o “alcance” aos mesmos produtos, era
limitado somente a alguns, já que, o regular “Zé-magala”, teria que se limitar
a olhar, cobiçar e lamentar-se da sua fraqueza económica, salvo um ou outro
mais afortunado. Eu estava em entre os 1ºs.
Cobiçava
e lamentava-me.
Obviamente, não me era difícil
concluir que, alguns dos mais afortunados, seriam familiares de alguns
militares que o “acaso ou a sorte”, os retivesse por ali perto, nalguma
guarnição militar ou, como era o caso da maioria dos oficiais da FAP,
residissem eles próprios, em residências espalhadas pela cidade de Bissau.
Recordo aqui que, mais tarde,
eu próprio tive oportunidade de constatar isso mesmo, devido a que, uma das
minhas missões era ter a responsabilidade de “controlar” bens e haveres
pertença da FAP. Nisto, incluía fazer inventários a “recheios caseiros”,
principalmente quando o ocupante na ocasião, dava lugar a outro. Quando assim sucedia,
tinha que se “passar a responsabilidade do que quer que fosse” para o novo
ocupante. Esta era uma das minhas missões, entre outras.
Existia também uma pequena
percentagem de pessoas consideradas estrangeiras, tais como alguns Libaneses,
Sírios, Mauritanos e outros que, por dispersos, pouca visibilidade ou impacto
faziam na “textura” humana da cidade de Bissau.
Esta foi a impressão
recolhida, numa modesta observação inicial, logo á minha chegada á Guiné,
quando Bissau era isso mesmo. Bissau, uma cidade aparentemente “pacífica e
acolhedora” mas que, conforme ficou demonstrado mais que uma vez, escondia em
si um não sei quê de “mítico” que desafiava o visitante a ser perspicaz e, se
não quisesse sofrer algum dissabor inesperado, comportar-se respeitosamente
para com a população local.
Foi
isso que sempre tentei fazer.
Recordo aqui que, a maioria da
população “indígena” - muita da qual oriunda do interior do país, na maioria
forçada a abandonar as suas casas e haveres, perante o perigo iminente nas zonas
de combate - vivia dispersa pelos vários bairros, nos subúrbios da cidade, numa
situação “quase degradante”, palco de “quezílias” de todo o teor e, pior ainda,
“falto” de saneamento básico, de pavimentação mínima ou ausente por completo.
Os indígenas ou nativos locais, viviam “numa
aparente situação” de terem sido empurrados
(16) para “as margens da estrada da vida”, ficando por ali perto ao “deus
dará” numa “moribunda existência” mas que…i r o n i c a m e n t e, era-lhes
permitido viverem, porque…“a sua mão de obra” – ou os seus serviços – com lhe
queiram chamar – fazia falta como força motriz, ao funcionamento do comércio
geral, bem como aos habitantes mais afortunados,
residentes nos chalés e moradias mais cómodas, fossem elas ocupadas por
militares – na ocasião - ou em tempo de paz, ocupadas pelas famílias europeias
da classe dominante e – há que o dizer - aqui e ali, algum dos “filhos da
terra”, financeiramente mais bem na vida. Poucos, mas existentes.
É certo que, alguns dos
nativos mais afortunados, viviam “par-a-par” com os europeus na cidade, em
residências similares ou melhores ainda mas, 95% da população, ali estava ao
“abandono” e á mercê do trato quotidiano de elementos menos escrupulosos o que,
como tal, exacerbava periodicamente os ânimos, originando escaramuças entre
nativos e europeus, em bairros tais como o “Pilão”, Bancolé, Belém, Bandim,
Achada da Burra, e outros. Entretanto, vem o 25 de Abril e, como da noite para
o dia, buuuuuum, nasce “Bissaulonia”!
E
porquê Bissaulónia?
Pois, compreensivelmente e
como já referi antes, tudo tem a ver com a “textura humana” que passou a ocupar
a cidade de Bissau, após a Independência da Guiné Bissau onde, gentes de
nacionalidades dos quatro quadrantes do mundo, substituiu a maioria da população
portuguesa e europeia até então.
Aqui, numa pequena nota,
refiro que, o facto do “25 de Abril” me apanhou de surpresa (17) e, também, quando digo, “quase da
noite para o dia” é mais um modo de dizer do que a realidade. De facto, após o
25 de Abril, houve ali como que um compasso de espera até ao nascimento de
“Bissaulónia”. Foi neste período de tempo, onde decisões que tinham que ser
feitas, foram feitas, para bem ou para mal, desse o resultado que desse. E deu!
Não tão bom como desejável, mas deu.
O termo “buuuuuum, nasce ‘Bissaulónia”,
é também mais uma expressão de referência ao tempo de então, onde a aparente
lentidão vivida no dia-a-dia em Bissau, deu lugar á “alta velocidade” de
acontecimentos – considerando os mais de 500 anos de marasmo - numa mudança
rápida e vertiginosa na vida quotidiana, incluindo o “nascimento de Bissaulónia”,
num “abrir e fechar de olhos” como um sonho prolongado mas real, culminando na
manhã de um novo dia, já após a independência da Guiné Bissau. Foi tudo muito
rápido e, por isso, a razão da expressão usada, para descrever a “perspectiva
da minha observação”.
Continuando, gostaria muito de
não usar o “pessimismo” como norma, em relação a futuras referências sobre a
sorte do Povo guineense pós independência, quando a esperança de um futuro
possivelmente risonho, ficou “eclipsado” por nuvens negras e permanentes no
horizonte, pairando no ar ainda hoje, com efeitos devastadores no bem-estar
daquele pobre povo. Infelizmente, para seu infortúnio.
Não posso, por isso - e por
ser honesto - deixar de querer “pegar o touro pelos cornos” indo directamente
ao “grão da questão”, porque, efectiva e lamentavelmente, a esperança inicial
de dias melhores pós independência, foi “Sol de pouca dura”, tudo por uma política
aberrada sem pés nem cabeça, onde tudo faltava ao Povo, mas não aos cabecilhas.
Por isso, vai ser muito
difícil para mim, tomar uma posição que agrade á minha pessoa e aos habitantes
do novo país porque, se aparentemente, para a maioria do povo da Guiné Bissau,
o dia da independência deveria representar um novo horizonte de esperança no
dia de amanhã – para bem de todos - infelizmente, os factos posteriores,
mostraram e mostram completamente o contrário. Por culpa de quem, agora nem sequer
interessa aqui procurar saber.
O importante aqui é salientar que, o “pobre Povo
da Guiné Bissau, merece mais e melhor”. É isso que aqui procuro salientar, com
muita mágoa e apreensão para com todo o Povo da Guiné, do qual a minha única
filha faz parte, por lá ter nascido.
Na ocasião da independência,
sem grandes efusividades, concentrei-me na minha vida, não prestando muita
atenção “ao que pressentia que lá vinha”. E veio… e de que maneira, mais cedo
do que imaginei, e de uma forma pouco agradável para mim e minha família. Mais
adiante farei referência.
Por agora, recordo que, a um
certo ponto da minha estadia em Bissau, tive a oportunidade de trabalhar e
conviver socialmente com uma emblemática figura no seio do PAIGC que, após ter
sido preso pela “pide” e enviado para a prisão no Tarrafal (Cabo Verde) foi posteriormente
libertado, acabando por vir a ser meu colega de trabalho, primeiro no Grande
Hotel e, mais tarde, no Café Restaurante “o Pelicano”, do qual eu era
encarregado e ele meu braço direito, especialmente nas lides com os
trabalhadores locais.
Refiro-me a Mamadou Turé, mais
conhecido como “Momo Turé”, uma excelente pessoa e um excelente profissional –
pelo menos enquanto trabalhamos juntos - figura incriminada no “complot” (18), levado a cabo além fronteira, de
onde resultou a morte de “Amílcar Cabral” e de muitos outros, em Janeiro de
1973. Convivi também, embora esporadicamente, com um dos fundadores do PAIGC,
se não mesmo um dos “pais do mesmo” (19),
com a diferença que, segundo testemunhos de então, não se chamava ainda PAIGC e
sim PAIG, sigla que só referenciava a Guiné. Refiro-me a Rafael Barbosa, amigo
pessoal de Momo e, pela sua proximidade nos encontros periódicos, diria eu que
“seu próprio mentor”.
Continuando, descrevendo a
razão para o título deste capítulo, “o começo do fim”, gostaria de referir que,
o mesmo, é baseado na minha perspectiva de “discordar” em catalogar o “começo do
fim” num determinado episódio de rebeldia do povo guineense, questionando a
presença portuguesa no mando dos destinos do território da Guiné Bissau,
durante tantos séculos. Portanto, para dar início á descrição do que acabo de
dizer, tenho que regressar atrás no tempo e declarar que…
…estamos a 25 de Abril de
1974, data em que, aparentemente, foi desferido o golpe de misericórdia fatal,
nas pretensões de continuidade no exercício do domínio de Portugal sobre o
território da Guiné Bissau, cujas tropas ocupantes tiveram uns “parcos 6 meses”
para abandonarem definitivamente a ex-colónia que, por negligência ou destino, foi,
durante cerca de 500 anos, tratada como uma “filha pródiga”, abandonada ao seu
destino, como uma rejeitada.
Recordar aqui que, embora os
1ºs contactos feitos portugueses com a costa da Guiné, indiquem o ano de 1446,
o facto é que, ironicamente ou não, somente nos anos 1600, já na dinastia
Filipina (!!!), é que o território “mereceu” uma atenção mais profunda por
parte de Portugal – ele próprio ocupado - quando a 1ª vila foi fundada,
conhecida como Cacheu. Isto, cerca de 200 anos depois. Se este facto, não é uma
demonstração de “desinteresse” ou de incompetência total, mesmo considerando os
tempos de então, então não sei o que será.
Com isto, o 25 de Abril, poderia
muito bem ser considerado como o início do fim, ou o “começo do fim”, para
condizer com o título deste capitulo mas, na verdade, se nos debruçarmos bem
sobre os vários episódios e tentativas de rebeldia, por parte de “ora de um,
ora de outro” líder de uma das várias “tribos” da Guiné, o 25 de Abril não foi
mais que a “estocada final” no touro já moribundo. Curiosamente, estocada
essa “desferida” por iniciativa de alguém, outros que não os próprios
guineenses.
E esta anh?!
Aqui, conjuntamente com todos
os milhares de militares portugueses que lá se encontravam na ocasião, de uma
forma ou de outra, expectadores ou intervenientes no próprio 25 de Abril – e
havia por certo uns quantos, frequentadores do meu restaurante - eu,
acompanhado pela minha mulher e a minha única filha, também lá estava presente,
já na vida civil, 6 e meses após ter cumprido a minha comissão de serviço
militar.
De facto, a Guiné, sendo a
primeira parcela de território africano habitado, a ficar “sob domínio de
Portugal” – já que, as ilhas de Cabo Verde, eram território inabitado - o certo
foi e é que, durante muitos e longos anos, a sua proximidade não foi mais do
que servir de porto de abrigo de muitos dos nossos navegantes ou, como
“trampolim temporário”, para dar continuidade a outras aventuras marítimas,
cujo destino, por incerto que fosse, demandava continuidade na viajem, já que
os objectivos principais, não era ficar por ali, mesmo “deitando a mão” ao que
pudessem.
Todos sabemos - e, se não
sabemos deveríamos saber - que, as circunstâncias dos contactos dos nossos
navegantes pela costa africana abaixo, tinha como principal objectivo, a
descoberta do caminho marítimo para a India, origem das famosas e cobiçadas
especiarias, até então somente acessíveis aos europeus, por rotas marítimas ou
terrestres, através do médio oriente. Obviamente, com o seu elevado custo
mercantil.
Portanto, o “começo do fim”,
na realidade - e na minha humilde opinião - não foi o 25 de Abril. O “começo do
fim” nem sequer pode ser atribuído á data do início da luta armada, prestes a
terminar com o evento do 25 de Abril. Tão-pouco concordo em aceitar dizer que,
“o começo do fim” foi qualquer dos episódios associados com a “greve dos
estivadores” do Pidjiguiti (1959) ou, até, as acções e atitudes dos
responsáveis pela casa Gouveia (grupo CUF) de onde originou a mobilização á
greve, culminada em massacre, de muitos dos estivadores.
Na minha humilde e
modesta opinião, considero que, todos estes episódios não foram mais do que
“achas de lenha” na fogueira de outros ressentimentos acumulados, por parte dos
nativos guineenses.
O “começo do fim” quanto a
mim, teve início logo nos primórdios da ocupação, não pelo facto da ocupação em
si mesmo mas, sim, pelas subsequentes acções e atitudes praticadas no
“dia-a-dia” nas trocas comerciais e acordos aparentemente amigáveis com alguns
dos “reis” africanos, a cargo das zonas contactadas e, subsequentemente,
ocupadas.
Relembro aqui que, a um certo ponto, os nossos
navegantes e “aventureiros de toda a espécie”, enveredaram pela prática de
“raptos” de nativos africanos nos locais de contacto da costa africana, na
intenção da prática de venda de seres humanos ou, como é mais conhecida, venda
de escravos. Obviamente, esta “selvática pratica”, mesmo que os nossos
navegantes pudessem argumentar que contavam com a colaboração dos “régulos
africanos” a cargo da costa africana, não deixa de ser considerado um acto abominável,
condenável, ao mais alto grau e, como tal, juntamente com outras “práticas” pouco
abonativas a seu favor, no decorrer dos anos, avolumaram-se negativamente, na
mente dos verdadeiros donos do território.
Portanto, só quem fosse muito casmurro ou muito ingénuo, é
que não predizia que, “o fim” chegaria mais cedo ou mais tarde, já que,
“o começo”, tinha começado muito antes.
Por isso, e baseado nisso,
atrevo-me a afirmar que, em casos de ocupação injusta e abusiva, “o começo do
fim” tem lugar no exacto momento em que uma injustiça é praticada para com “o
povo soberano” até então. De facto, salvo raras excepções, nenhum povo aceita
ser “dominado” por outro, assim sem mais menos, principalmente, quando as
forças do povo ocupante, se comportam de uma forma “intolerável” para com o
povo ocupado.
Recordando aqui um pouco de
história em relação aos romanos, creio que até seria possível que, no decorrer
da história das “conquistas e migrações”, existirem casos de convivência
pacífica entre “povos ocupados e povos ocupantes” mas, por raros terem sido,
teremos que concluir que “o começo do fim”, queiramos ou não, começa com as
primeiras injustiças, após o 1º dia da ocupação.
E mais não digo porque, não
sendo eu um “antropólogo” nem tão-pouco proclamar ser entendido em “psicologia”
sobre povos, o certo é que, não me é difícil diferenciar entre “viver-se”
oprimido debaixo do domínio de outrem, e o “viver-se livre” e independente,
dono do seu destino e senhor das suas decisões, por muito questionáveis que
essas decisões ou modos de vida possam vir a parecer aos “olhos” dos outros.
Os velhos ditados de… “vale mais morrer com dignidade, do que viver
sem liberdade” ou “vale mais morrer
lutando, do que viver chorando” ou ainda “vale mais chorar por perder uma batalha, do que sentir vergonha, por
não ter lutado” são, quanto a mim, suficientemente ilustrativos para me
darem razão de suporte ao dizer que, a ocupação do território da Guiné, bem
como outros territórios em Africa ou noutras partes do mundo – fosse por
Portugal ou fosse por outra nação qualquer – poderia ser considerado um acto
“legitimo” (20) para o povo ocupante
mas, nunca, para o povo ocupado.
Quando os interesses mercantis
dos povos se entrecruzam, até poderá ser motivo de regozijo e progresso, para
bem dos povos envolvidos nas trocas comerciais. Para tal, é necessário que a
“honestidade” negocial seja uma norma, conjuntamente com o respeito mútuo. Se
tal suceder, tudo poderá ser risonho dos dois lados da equação.
Os produtos oferecidos de um
lado, servem a necessidade do outro. Mas, se a um ponto do intercâmbio, um dos
contendores mostra falta de caracter e falta de honestidade, abusando da
ingenuidade ou fraqueza de “armas” do outro contendor para, a seu belo prazer,
o humilhar, então, no meu modesto conhecimento psicológico humano, está-se a
criar “a receita ideal” para que, mais tarde ou mais cedo, termos problemas
entre os dois povos.
Portanto, a definição de
quando “o começo do fim” começou, poderá ser uma questão de semânticas e “concentração”
de datas, de feitos ou episódios de resistência que, desde o início, da
ocupação, por certo existiram e se desmultiplicaram em várias “escaramuças”,
umas com maior impacto que outras mas, todas no mesmo sentido e com o mesmo
objectivo.
O de reganhar a liberdade do território ocupado e, com isso, a
dignidade do povo em questão.
Como exemplo, no caso da Guiné
Bissau, concentrando-nos em 1959, aquando do massacre do “Pidjiguiti”, se bem
que, um dos acontecimentos mais graves até então, não desvirtua a intenção e o
significado “patriótico” por parte do povo da Guiné, envolvido noutras
escaramuças ao longo dos séculos. Uma das penúltimas, para que conste, ocorreu
em 1936, com a revolta dos bijagós de Canhabaque. Outras houve por certo mas,
por agora, fico por aqui.
Neste ponto, pergunto:
-“Quantos dos nossos camaradas de armas estariam ao tanto de alguns dos
episódios de rebeldia, que tinham precedido aquele em que eles estavam
envolvidos? Quase que poderia assegurar que, na maior parte do “Zé-magala”
desconhecia por completo. Bem, desconhecia por completo não só o que se tinha
passado antes, como também muitas outras coisas mais, o que significa que, se
estivesse informado, poderia fazer uma melhor ideia sobre o que estava em causa
realmente. Se assim fosse, talvez a atitude menos apropriada de muitos dos
nossos, nas lides com os nativos, tivesse sido corrigida numa direcção
“mais pacifista, em vez de mais conflituosa”.
Recordo aqui também que,
infelizmente, a teimosia do governo português, em não querer “negociar” uma
solução pacífica para que, pouco a pouco e debaixo de um entendimento amigável,
as ex-colónias – incluindo a Guiné, obviamente – pudessem reganhar a sua
independência, também ajudou - e de que maneira! - a “exacerbar” os ânimos, culminando
no que culminou.
No entanto, insisto em dizer
que, tão-pouco esta atitude do governo português, deverá ser considerada o
“começo do fim”. Concordo, isso sim que, se contribuiu para “o fim”, não
contribuiu para “o começo” porque, este, já tinha começado há
longos anos.
“O começo do fim” tão-pouco
deverá ser atribuído ao facto de, por exemplo, “um branco” ter relações sexuais
com uma africana, de onde, quantas e quantas vezes, deu origem á vinda ao mundo
de um novo ser vivo.
E quando isso aconteceu ou acontece, obviamente que, a
criatura que vier ao mundo dessa relação, não tem culpa alguma dos
acontecimentos ou razões por detrás de tal acontecimento.
De facto, conforme já tive
oportunidade de referir no meu 1º livro – “palavras
de um defunto, antes de o ser”, a política de então em vigor, devido às
nossas limitações demográficas (21)
de então e ao longo dos séculos, passava pelo encorajamento por parte do governo
português para que, os portugueses, se “envolvessem sexualmente” com mulheres
africanas, no sentido de “procriarem” um novo ser vivo ao qual, quando tal
começou a suceder, se passaram a chamar “mulatos”.
Aqui, somente a título de
exemplo, mais uma vez entra em acção a “percepção” do “começo do fim” quando,
as autoridades de então, perante o aparecimento de uma “nova criatura” rebento
de um branco e uma africana, fazendo uso das “brilhantes mentes políticas” (?)
de então, tudo fariam para que “este novo ser”, sendo em parte um deles
(branco), passasse a “beneficiar” de um estatuto de “mais-valia” a par dos europeus,
em detrimento dos filhos dos nativos africanos.
A criança, sem culpa alguma de
sim própria, crescia no meio de um ambiente mais propício, sendo alvo de mais
atenções e mais oportunidades, não só com acesso a uma educação mais esmerada
como, também, a mais oportunidades de emprego e colocação em posições de
“relevo” e mando. Tanto assim que, raro era o “mestiço ou mulato” que não
exercesse uma posição superior a um verdadeiro filho de africanos.
Repito
que, quantas vezes, sem culpa própria de si mesmo.
Perante estes factos, não era
e nem é, pois, de admirar que, a maioria de posições de comando, dos “quadros
públicos” – correios, alfandegas, aeroportos, fazenda, administrações regionais
(chefes de posto) e outros, estivessem a cargo de “rebentos” das relações
sexuais acima mencionadas. Aos “filhos dos locais”, eram reservadas as posições
de segunda categoria, como ajudantes, assistentes, cipaios (espécie de regedor)
etc. etc., ou nada.
Para reforçar, o pai da dita
criatura, um branco, por certo (22)
com relações de amizade com as autoridades locais, tudo faria para que, “o
fruto do seu sangue” beneficiasse dos favores que muitos dos “brancos”
recebiam, quando se tratasse de oportunidades de negócio ou emprego, ou até,
quando se tratasse de “justiça” local – entre “branco e preto”, sendo que, nesta
última, 99% das decisões eram sempre favoráveis ao branco, independentemente do
grau de culpabilidade ou grau de razão existente.
Todas estas situações,
poderiam também ser consideradas como a origem “do começo do fim”, embora eu
preferia considerar como “mais achas na fogueira”, no ressentimento acumulado
no decorrer dos tempos, mesmo que, cada qual por si só, pudesse muito bem
servir de ponto de referência como origem do “começo”. Daí que eu insista no
que já disse antes que, “o começo do fim”, teve início com primeira injustiça,
praticada após a ocupação inicial. Se estiver errado, errado fico mas, não será
por isso que vou mudar de opinião. Só com provas do contrário.
Sobre estes factos e
acontecimentos, não farei referência alguma adicional ao já dito porque, na
realidade, não é essa a finalidade destas linhas. Quem quiser saber mais sobre
isso, que procure noutras publicações. Aqui não é o espaço para isso.
Portanto, passado o 25 de
Abril, e após uns quantos meses de incertezas de toda a ordem, finalmente vem o
dia da independência e, com isso, uma nova textura humana da cidade de Bissau,
dando origem ao nascimento de “Bissaulónia”, quando os portugueses - salvo uma
minoria, incluindo a minha pessoa e minha família (mulher e filha) – deram
lugar a um sem fim de cidadãos de outras nacionalidades, dos quatro quadrantes
do mundo, tais como…“soviéticos; cubanos; alemães do leste; jugoslavos;
chineses; coreanos do norte; argelinos; franceses; suecos; noruegueses;
dinamarqueses; americanos; líbios, sírios senegaleses, e que sei eu mais de
onde, incluindo gente em representação das Nações Unidas, já de si repleta de
várias nacionalidades, duplicando-se assim, elementos da mesma nacionalidade,
ao serviço da embaixada do país de cada qual, bem como ao serviço das próprias
Nações Unidas.
Representações da Aeroflot,
bem como agências noticiosas tais como “a tass, a novosti, voz da américa”, e outras
mais, incluindo a muito Lusitana “lusa”.
Gente
militar e civil, na ordem de centenas, se não mesmo de milhares.
Com isto, só sei que eram
muitos e variados e que, de repente, me encontro perante um “emaranhado” de
idiomas visitando o meu restaurante “a tabanca” – especialmente soviéticos,
falando um português abrasileirado - mas muito bom - despertando em mim uma
espécie de “olfacto de esperança”, na perspectiva de bom negócio no horizonte.
Ainda viveu, se bem por pouco tempo.
Confesso que, a visão de bom
negócio no horizonte, ainda deu os primeiros passos mas, por considerar que,
aqui, esta secção, não é o espaço apropriado para descrever este ponto,
deixarei para mais adiante qualquer referência sobre isso porque, a esperança
contida no meu “olfacto” poderia realmente ter sido possível se, entretanto,
não aparecessem as chamadas “batatas podres com pernas”, que refiro no meu 1º
livro “palavras de um defunto, antes de o
ser” e que, aqui, noutra secção, tentarei relatar com mais detalhes, alguns
pormenores de episódios de choque, entre os meus princípios e esta “espécie
rara de mal paridos”, alguns deles autênticos “judas ingratos” pelo meu
relacionamento com eles, até então!
Por agora, creio que já dei
luz suficiente para justificar o porquê, de ter escolhido “Bissaulónia”, para
título deste livro. Espero que concordem comigo em que, realmente, é um título
apropriado, perante as circunstâncias descritas.
Fim
deste capítulo.
Mário Tito - autor